viajar sozinha

Nós, mulheres, vamos continuar viajando

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Na equipe e entre leitores, as mulheres são maioria aqui no Viaje na Viagem. Ao lado do Ricardo Freire, nossa diretora Elisa Araujo cuida de toda a parte administrativa e comercial do site. Na redação, somos Natalie, Heloisa, Juliana, Rebeca e Mariana, e pelas pesquisas descobrimos que o Viaje na Viagem tem um público em sua maioria feminino. Por isso, a tragédia que aconteceu com as duas turistas argentinas no balneário de Montañita, no Equador, fala muito diretamente a nós.

María José Coni e Marina Menegazzo tinham pouco mais de 20 anos. Saíram de Mendoza, na Argentina, para fazer um mochilão entre o Peru e o Equador. Ao que tudo indica, foram assassinadas ao reagir a uma tentativa de estupro. A grande repercussão do caso tem a ver com as primeiras notícias e comentários sobre o acontecido, que culpavam mais as vítimas do que os próprios assassinos pelo crime.

O episódio me recordou da história de Chris Ribeiro, uma jovem brasileira também desta idade que esteve desaparecida em dezembro do ano passado em Barcelona. Chris viajava a passeio e foi encontrada com amnésia temporária. A polícia espanhola declarou acreditar que a garota tenha sido vítima de um “boa noite, Cinderela” seguido de sequestro. Nas seções de comentários de portais como o G1, era difícil encontrar alguma mensagem solidária. “Essa história está mal contada” era o que mais se lia, junto a piadas e insinuações maldosas sobre o comportamento da menina.

Durante muito tempo, a única questão que eu enxergava em viajar sozinha era aprender a conviver comigo mesma, a sair para jantar sem companhia, a guardar minha opinião sobre um quadro de um museu só pra mim. Esse sempre foi um desafio prazeroso; estar perdida no metrô e de repente me encontrar, sem falar o idioma local e sem pedir ajuda para o guardinha. Viajar sozinha significava acumular essas pequenas vitórias.

Mas, com esses dois episódios, acabei me lembrando de que já enfrentei situações muito piores do que precisar me entender com um mapa de metrô. Lembrei de todas as vezes em que fui assediada, ofendida e até perseguida pela rua por ser mulher e turista. Não foram poucas. E isso foi um golpe duro.

Lembrei especialmente de uma vez em que o vendedor de um quiosque, que foi muito simpático comigo o dia inteiro, se ofereceu para me mostrar uma praia vizinha àquela onde estávamos em Arraial d’Ajuda. Depois de uns poucos metros e a perspectiva de não haver mais ninguém por ali além de nós dois, achei melhor voltar, mesmo que durante esse tempo todo ele não tivesse flertado comigo de nenhuma maneira. E então o sujeito, que parecia alguém muito bacana, se transformou completamente, e pelo caminho de volta, que era um só, seguiu ao meu lado falando todo tipo de obscenidade. Ter a consciência, anos depois, de que escapei por pouco de algo muito pior do que assédio verbal foi como ouvir todos os comentaristas do G1 dentro da minha cabeça ao mesmo tempo, dizendo que, se tivesse acontecido alguma coisa, a culpa teria sido toda minha por ter saído para passear com alguém que eu não conhecia.

Toda mulher provavelmente já passou ou vai passar por alguma situação de assédio ou violência durante uma viagem, em um momento em que esteja sozinha ou acompanhada por outras mulheres. Mas isso não pode tirar a nossa liberdade.

Vamos continuar viajando, e pela nossa presença vamos dar o recado de que é nosso direito estar onde a gente bem entender.

E queremos estar nas ruas em segurança, queremos beber cerveja nos balcões dos bares, queremos sair para dançar, conhecer pessoas e viver amores. Queremos andar de transporte público à noite. Queremos alugar um carro e viajar entre amigas. Ousamos até querer pedir carona.

Nenhuma decisão que uma mulher tome durante uma viagem sobre onde ir, com quem conversar ou o quanto beber justifica qualquer violência contra ela.

E que às garotas que saem de casa para conhecer o mundo se deseje menos “juízo”, e mais “divirta-se”, e “boa viagem”.

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88 comentários

Olá, gostei muito do texto! Mas quando li “Toda mulher provavelmente já passou ou vai passar por alguma situação de assédio ou violência durante uma viagem”, me pareceu uma afirmação da situação, e como as palavras tem poder, poderíamos dizer isso de forma a não reforçarmos isto. Algo como: Caso tenha acontecido ou venha a acontecer alguma situação de assédio ou violência durante uma viagem, vamos continuar com coragem e alegria para fazer nossas viagens! É isso, felizes viagens a todas!!

    Áurea, acho que negar essa afirmação seria meio como tapar o sol com a peneira. As coisas não deixam de acontecer se a gente simplesmente não falar delas, pelo contrário. É uma generalização porque o assunto é generalizável.

Exato! Que as mulheres não deixem de viajar e de exigir seu respeito como ser humano. Ótimo texto!

Em fevereiro fiquei numa pousada com meu marido e conhecemos um casal suíço. Depois de muitas conversas discutimos sobre as desigualdades e os preconceitos. E esse casal nos contou que na SUIÇA a mulher também é vítima de desigualdade, com salários mais baixos etc. Temos que continuar viajando e lutando por direitos iguais, para todos.

Isso mesmo , Mariana. vamos continuar viajando e exigindo respeito onde estivermos. Faço parte de um grupo de senhoras que viaja e que vai aos espetáculos e restaurantes a noite, com muita alegria. Bj. Vera

Parabens pelo texto.
Minha pequena contribuiçao para mudar essa historia sera educar meu filho (que chega em junho) desde pequeno pra que ele respeite todas as pessoas. Independente do sexo, da cor, da orientacao sexual….o que mais falta hoje em dia eh RESPEITO.
Podem ter certeza que em Junho chegara um homem que respeitara todas as mulheres.

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