Originalmente publicado na minha página Turista Profissional, que sai toda 3a. no suplemento Viagem & Aventura do Estadão.
Em junho fiz um périplo pelas ilhas do Caribe servidas por voos diretos do Brasil. Algumas eu já tinha visitado, em 2006 (Aruba, Curaçao, St. Maarten); em outras, estive pela primeira vez agora (República Dominicana, Barbados). E a maior surpresa da viagem não foi nenhuma praia, comida ou paisagem. Foi um hotel. Mas não particularmente pelo conforto ou serviço: o que me impressionou foi o conceito. Esse hotel, o Renaissance de Curaçao, nasceu integrado ao novo terminal de cruzeiros, e revitalizou uma parte degradada do centro da cidade – em benefício dos moradores. E nada disso prejudicou o seu objetivo comercial, visto que de imediato o Renaissance se tornou o lugar mais interessante para se hospedar na ilha.
Num momento em que aqui no Brasil se discute a concorrência entre hotelaria e cruzeiros, e quando as cidades que recebem cruzeiros pensam em maneiras de organizar o fluxo e rentabilizar a estada dos visitantes, achei que era um bom modelo a ser estudado. A ele, pois.
Como em Aruba
O modelo não é inédito. Já tinha sido implantado, pelos mesmos investidores, em Aruba. O Renaissance de Aruba também está estrategicamente posicionado em frente ao terminal de cruzeiros da capital, Oranjestad. No térreo funciona uma arcada de grifes de luxo que funciona como o primeiro shopping center para quem desembarca dos navios – e deixa o hóspede do hotel a dois passos das lojas mais chiques da ilha.
A falta de praia em frente é compensada por uma ilhota particular com duas prainhas – uma para famílias e outra só para adultos, onde é permitido o topless. O acesso à ilha é feito por lanchas que fazem o trajeto várias vezes por hora, pegando os hóspedes no lobby do hotel (sim, a água vai até lá) e deixando na ilha dez minutos mais tarde.
Interessante, não? Mas o resultado em Curaçao me agrada ainda mais.
Entendendo Curaçao
À diferença de Aruba, as melhores praias de Curaçao não têm hotéis. Curaçao tem uma costa rochosa; as praias que existem são poucas e pequenotas. Nelas não se pode edificar nada. Há hotéis com prainhas que dão para o gasto – muitas delas foram melhoradas ou totalmente construídas pela mão do homem. Todos os hotéis com praia própria estão a alguma distância do centro, o que impõe uma decisão ao visitante: ou ficar no centro e ir de carro à praia ou hospedar-se num hotel à beira-mar e ficar na dependência de carro para ir tanto ao centro quanto às praias boas. Só escapam da dúvida os mergulhadores, que ficam em hotéis especializados na costa oeste da ilha, próximos aos jardins de corais (e sem necessidade de ter praia de areia na porta).
A capital, Willemstad, é dividida por um canal que leva à baía de Santa Ana. De um lado fica Punda, o centro histórico e comercial, com a arquitetura mais fotogênica do Caribe (não deixe de visitar os palacetes da rua Scharloo, antigas residências de ricos comerciantes judeus).
Do outro lado está Otrobanda, que também tem seus atrativos, como o quarteirão tombado pela Unesco onde está instalado o charmoso hotel Kurá Hulanda (dentro do hotel encontra-se o Museu da Escravidão, uma crônica tocante da diáspora africana).
Na entrada do canal, na margem de Otrobanda, está o Forte Rif. Até alguns anos atrás, estava em estado de semi-abandono. Pois foi ali que o novo terminal de cruzeiros e o Renaissance foram instalados.
Um lugar multiuso
O projeto é muito inteligente. O novo terminal foi construído junto ao forte. O forte foi adaptado para receber lojas e restaurantes, sob administração do hotel. O hotel foi construído no estilo colonial holandês – sem tentar parecer antigo, mas também sem destoar da arquitetura do centro. Em frente ao hotel foram feitos um cineplex e uma galeria de lojas de grife. E acima da galeria, um edifício-garagem – tudo isso seguindo o mesmo estilo de fachada do hotel.
Quem desembarca do cruzeiro e não quer zanzar pela ilha ganhou um ponto de apoio e um shopping center de nível, bem à mão. Quem está hospedado aproveita a estrutura para se divertir à noite sem se afastar do hotel – e ainda tem estacionamento grátis e seguro, em frente, para o carro que alugou para ir às praias. E a população ganhou dois motivos para voltar a uma área aonde não ia: os cinemas de última geração e o footing no forte.
Mas o golpe de mestre do hotel está reservado apenas para os hóspedes. Fica no terraço do segundo andar – onde, em vez de uma piscina comum, foi instalada uma praia artificial. Sim, praia: de areia branca e água verde-Caribe. Claro que não é páreo para as praias bacanas de Curaçao, como Cas Abou ou Kenepa Grandi. Mas serve para os dias de preguiça ou para a volta de passeios.
A primeira vez a gente nunca esquece: é incrível constatar a engenhosidade da praia, que nas fotos não se entrega nem como artificial, nem como suspensa. (As diárias começam em US$ 150.)
E no Patropi?
Um complexo como este cairia como uma luva (ou uma sandália havaiana) em quase todas as capitais que hoje servem como escala de cruzeiro. No Rio de Janeiro seria ótimo; em Salvador, mesmo com a concorrência próxima do Pelourinho, ajudaria a revitalizar o Comércio. Mas o lugar que mais se beneficiaria de um projeto semelhante seria o Recife. Se eu fosse o prefeito do Recife, bateria na porta do arubiano que controla os dois Renaissance e perguntaria se ele não quer construir um terceiro complexo nesta outra ex-possessão holandesa. Fica a dica...
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