#likeaGerman

Há 26 anos: o café da manhã de Frau Berliner e a reunificação da Alemanha

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Dia 3 de outubro a Alemanha comemorou 26 anos de reunificação. O Consulado Alemão de São Paulo convidou o Viaje na Viagem a participar da campanha #Breakingthewall #Likeagerman, pedindo que eu e vocês compartilhássemos alguma lembrança de viagem pela Alemanha que tivesse ajudado desconstruir a percepção que tínhamos do país.

Como eu sou vintage, vou trazer uma lembrança de 26 anos e poucos dias. Sim, eu estava em Berlim no finzinho de setembro de 1990, às vésperas da reunificação alemã. Não que eu soubesse disso antes de embarcar: o Muro de Berlim tinha caído em novembro de 1989 e desde então, na minha cabeça, as duas Alemanhas já tinham voltado a ser uma só. Mas o 3 de outubro marcaria a reunificação de fato, com a transferência da capital de Bonn para Berlim. A cidade estava superlotada, porque além dos visitantes para os eventos oficiais ainda havia uma multidão de forasteiros para correr a Maratona de Berlim — que, pela primeira vez, incluiria a antiga Berlim Oriental no circuito (nos anos anteriores, uma paradinha no Checkpoint Charlie atrasaria um pouco os corredores, concorda?).

Pois bem: eu não apenas tinha marcado inadvertidamente uma viagem para Berlim às vésperas do fim de semana mais importante da cidade em décadas, como estava chegando sem hotel reservado. Lembre-se que estamos no ano 1990 a.E. (antes do E-mail), quando hotéis baratinhos não apareciam nos catálogos dos agentes de viagem e eram mais facilmente reserváveis nos postos de informações turísticas de estações de trem.

Não, naquele fim de semana hotéis baratinhos não seriam facilmente reserváveis no posto de informação turística em frente à Berlin Zoo, a estação central de Berlim Ocidental: todos os hotéis, caros ou baratos, já estavam esgotados. Quem chegava ao posto preenchia uma ficha e achava um canto do salão para se encostar até aparecer um quarto em casa particular — um esquema que era normal naquela época nas capitais do Leste Europeu (na seqüência da viagem, a gente se hospedaria assim em Budapeste e Praga), mas que na Alemanha era acionado só em situações emergenciais, como aquela.


Hotel Circus, Berlim
Cool Berlin

Esperamos quase duas horas até chamarem o nosso nome. Uma senhora de Charlottenburg — o bairro mais bonito de Berlim Ocidental — tinha aprovado a nossa ficha e podíamos ficar duas noites na sua casa, ao equivalente a 30 dólares a diária (não lembro o preço em marcos). Pegamos um táxi (mochileiros ma non troppo) e em quinze minutos uma Frau baixinha e sessentona abria a porta do seu apartamento térreo num predinho de uma rua arborizada e totalmente residencial.

(Não tenho foto, nem analógica, de nada disso. Naquele tempo não passava pela cabeça de ninguém desperdiçar filme fotogrando a rua em que ficou, o quarto em que dormiu, ou o café da manhã que tomou. Fotógrafos não-profissionais faziam dois tipos de foto em viagem: portrait e cartão-postal. Se desse para juntar as duas modalidades numa foto só — portrait com cartão-postal ao fundo –, tanto melhor.)

Nossa anfitriã — cujo nome esqueci, e por isso vou chamar de Frau Berliner — explicou que era enfermeira aposentada e achava divertido receber visitantes, mas só alugava os quartos eventualmente. Desta vez, por causa da emergência na cidade, ia alugar os dois quartos e dormir na sala. Em princípio o quarto que nos cabia era o de hóspedes, mas quando chegaram os outros turistas sem-teto — um casalzinho de namorados finlandeses recém-saídos das fraldas — ela achou mais seguro nos dar o quarto principal.

Usamos o resto daquele primeiro dia para passear pela Ku’damm, a grande avenida do lado ocidental — poucos anos depois ela perderia o status de artéria mais importante de Berlim, mas naquele momento isso era inimaginável. O segundo dia estava reservado para atravessar ao lado oriental. Acordamos cedo e o café da manhã — das Frühstück — já estava posto na mesa.


Tempelhof Berlim
De volta ao Ocidente

Já era a minha terceira viagem à Alemanha — a primeira tinha sido cinco anos antes, como mochileiro de verdade, me hospedando em albergue; a segunda tinha acontecido havia dois anos, quando estive pela primeira em Berlim, ainda dividida, numa pensãozinha fuleira — mas eu nunca tinha sido apresentado a uma versão completa do fabuloso café da manhã alemão.

Para começar, de todos os cafés da manhã do mundo, o Frühstück é o que mais se aproxima do brasileiro. Tem fruta, tem suco, tem pães, tem queijo, tem frios, tem müsli, tem iogurte, tem ovo. Só que, com exceção das frutas (falta um papaiazinho!), todos os outros itens vêm com um senhor upgrade ao que estamos acostumados — um mini café colonial de delicatessen.

Eu me lembro nitidamente de pensar que um café da manhã daqueles para dois já valia, na ponta do lápis, os 30 dólares da diária. Nos refestelamos e, ao levantar da mesa, quase envergonhados de tanto comer, fomos interceptados por Frau Berliner. Mas não comeram aber nichts, nada! Perguntou o que íamos fazer e não nos deixou arredar pé dali enquanto não montou dois sanduichinhos de um rico presunto com um queijo picante naquele pão redondinho e escuro, embrulhou em guardanapos e nos deu para merendar em Berlim Oriental.

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Entramos no lado oriental ao largo do Checkpoint Charlie, onde eu tinha passado pela imigração dois anos antes. E atravessamos de volta ao lado ocidental pelo Portão de Brandemburgo, quase irreconhecível sem o Muro. Mas não me lembro onde comemos os sanduíches de Frau, nem onde comprei os caquinhos do Muro, provavelmente falsos, que trouxe de presentinho para a família e os amigos.

No dia seguinte, cometendo mais um erro de principiante, a gente pegaria um vôo cedíssimo, tipo 7 da manhã, para Budapeste. Se madrugar já não fosse um perrengue suficiente (seja lá qual fosse a palavra que eu usava para dizer ‘perrengue’ naquela época), a gente ainda ia perder o Frühstück de Frau Berliner.

Na saída, porém, encontramos um farnelzinho com um bilhete e quatro sanduichinhos da Frau e duas bananas — devidamente devorados a caminho do aeroporto Schönefeld, de onde sairia nosso vôo da Malév.

Frühstück pra viagem. Vielen Dank, Frau Berliner!

E você? Que lembrança de viagem mudou a sua percepção da Alemanha? Conta pra gente!

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Berlim

15 comentários

Minha percepção sobre a Alemanha já tinha começado a mudar assim que pisei na linda Heidelberg, e dali pra frente só fiquei mais fã do país.

Em Rothenburg ob der Tauber, ficamos em um hotel instalado num prédio do século XVI, e tivemos um café da manhã incrível preparado pelo dono, mais ou menos do jeito que o Riq descreveu. Inesquecível.

Adorei seu relato Riq! Realmente a Alemanha é um dos mais belos países do mundo. O povo é adorável. Vontade louca de fazer outra road trip por lá.

Adorei o texto. Eu visitei esses lugares no ano passado e realmente é uma viagem a história desse país tão belo.

fui a Berlim e 1991 logo depois do muro cair.Gostei muito fui de excursào com bastante nordestino.Fomos ao museu de pérgamo, aos palácios do governo e napressa esquecemos dentro de um taxi a máquina filmadora aí foi pau pois o taxista apesar de ser chamado pelo hotel , este, não con.seguiu localizá-lo. pra que O café da manhã muito bom com as salsichinhas , delícia,pra quem tinha sofrido na a comida muito pobre.

Como germanófila, nascida em cidade de colonização alemã e tendo uma parcela de ascendência também alemã, acho que minhas percepções sobre a Alemanha nunca precisaram ser mudadas, pois sempre gostei do país, mesmo antes de conhecê-lo. Tanto é que poucos anos antes da queda do muro de Berlim, quando eu ainda estava no “segundo grau”, meu sonho era ir fazer faculdade na Alemanha.

Bem, antes mesmo do muro ser derrubado e a Alemanha ser reunificada, muita coisa na minha vida se transformou e de certa forma eu deixei passar a oportunidade de fazer um intercâmbio universitário na Alemanha.

Somente pude conhecer o país faz pouco tempo (pouco mais de três anos) e só posso dizer que a maioria das minhas percepções estavam certas, confirmando minha grande admiração pela Alemanha.

Talvez o que tenha mudado um pouco é perceber que embora mais formais e seguidores rígidos de regras, os alemães não são aquele povo carrancudo e malvado que pintam no cinema, mas isso de fato eu também já sabia. Na verdade, são muito alegres e brincalhões, como eu descobri em uma semana de “Fasching” (carnaval) em Munique!

Desde a primeira vez que fui para a Alemaha em 2013, eu já tive a oportunidade de voltar mais duas vezes e nunca me decepcionei. Sempre tem uma surpresa a mais para conhecer, sempre positiva. Inclusive achei que não iria achar graça em Hamburgo, porque não tem um apelo turístico muito forte, ainda mais que fui no inverno, mas a cidade em surpreendeu pela organização e simpatia. Fico imaginando como deve ser legal visitar a Hafen City no verão! 🙂

Não consigo decidir qual das cidades que já visitei eu gosto mais, mas como já disse várias vezes aqui, sendo formada em História, Berlim para mim é uma cidade sem igual, pois guarda ainda abertas as marcas da História, especialmente da Segunda Guerra Mundial. Não tem um lugar de Berlim que eu tenha visitado e não tenha me emocionado ao saber que ali aconteceu a História viva, que ali foram presenciadas as situações mais importantes do século XX.

Não consigo encontrar descrição possível de ser expressa em palavaras para o que eu senti ao subir na cúpula do Bundestag, lembrando da cena histórica do soldado do exercito vermelho ao final da guerra, ao ver de perto do Portal de Brandenburgo, ao sentir um nó na garganta ao olhar os painéis da “Topografia do Terror”. E em janeiro desse ano, eu ainda acrescentei a essa lista a ida ao Museu Russo Alemão, onde foi assinada a rendição incondional da Alemanha em 8 de maio de 1945.

E além de tudo isso, em Berlim tem toda a Ilha dos Museus para quem também ama a História da Grécia Antiga! 🙂

E para além de tudo isso, Berlim me parece ser uma cidade inclusiva, democrática e cosmopolita, que está sempre em transformação, não parando no tempo! Amo simplesmente caminnhar pela Unter den Linden e ver as transformações que estão acontecendo a cada ano. Meu sonho ainda não realizado e andar de bicicleta pelas ruas de Berlim.

Que cidade! Por mim, volto para lá sempre que puder!

E para finalizar meu relato, só tenho elogios ao maravilhoso Frühstück alemão (“fristique”, para quem nasceu em uma cidade do interior do RS de colonização alemã, rs). O que eu mais gosto são os deliciosos pães integrais, preto, e centeio e tudo o mais. Para quem acha que pão é especialidade parisiense (com suas baguettes), é porque nunca experimentou a enorme variedade de pães alemães!! 🙂

Deutschland, Ich liebe dich! 🙂 S2

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