Estrada Parque Pantanal, em Corumbá: hotéis simples, natureza exuberante
“Ué, elas não estavam em extinção?” — pensei eu ao ver um punhado de araras-azuis bem na entrada da Pousada Santa Clara, na Estrada Parque de Corumbá. Elas se fartavam de umas dessas sementes duras que só as araras conseguem quebrar a casca e comer, deixadas sobre uma carroça que já deve ter trabalhado muito, mas que depois da aposentadoria teve a honra de virar poleiro para uma das aves mais bonitas da fauna brasileira.
(E que uma consultinha no Google me informou que saiu, no ano passado, do catálogo das espécies ameaçadas de extinção, depois de 25 anos de esforços para isso. Viva!)
A Santa Clara é um misto de pousada, albergue e camping. No quarto privativo para casal, o chuveiro sem box nem cortina, mas com um rodo providencial, poderia me levar a dizer que é uma hospedagem sem qualquer luxo.
Mas aí eu me lembro das araras-azuis e das caturritas, tantos pássaros lindos e soltos, e tão à vontade pela pousada, e penso que o luxo ali é outro, e não é pouco.
Eu fiquei hospedada no Passo do Lontra, com quartos mais confortáveis, mas ainda um hotel bem simples. O que faz da estadia ali algo muito especial é a forma como se construiu o hotel. Os chalés foram armados como palafitas sobre o Pantanal, e os hóspedes se deslocam pela propriedade cruzando passarelas de madeira. A integração com a natureza é absoluta.
No caminho curto para o café da manhã, ver de pertinho uns cinco tipos de pássaros diferentes fez o meu dia começar muito feliz.
Os hotéis-fazenda ao longo da Estrada Parque têm estrutura completa para passeios, com barcos próprios, cavalos, caminhonetes para safári, e costumam trabalhar com pacotes com atividades e refeições inclusas. O barato é que são realmente fazendas em pleno funcionamento, ou seja, muito diferentes daqueles hotéis de serra onde três ou quatro vacas só dão expediente para mostrar para as crianças que o leite não vem da caixinha longa-vida.
No Passo do Lontra há canoas, barcos e chalanas para passeios guiados pelo rio Miranda, incluindo focagem noturna. Os barcos estão em ótima forma e a nossa navegação à noite, com um céu estreladíssimo, só não foi tão bacana porque os jacarés não deram o ar da graça. Durante o pico da cheia, época em que a água pode encobrir os barrancos, um passeio durante o dia é mais proveitoso.
Os passeios a cavalo para hóspedes do Passo do Lontra acontecem na Fazenda São João, que pertence à mesma família. Para chegar até lá, o trajeto pela Estrada Parque vira um safári fotográfico.
A Estrada Parque Pantanal, ou MS-184, tem 120 quilômetros de extensão, 72 pontes de madeira e muitas oportunidades de cliques. É melhor ir de tour organizado, com guia; não que dirigir pela estrada seja algo complicado (quem fizer questão, alugue um 4×4, sim?), mas o passeio fica muito mais interessante na companhia de quem sabe os nomes dos bichos e tem o olhar treinado para encontrar aqueles mais escondidos.
O meu guia foi o Márcio, um rapazinho muito simpático que, no nosso Onde Está Wally pantaneiro, não deixava passar uma.
Como esse tuiuiú encarapitado em um ninho a não sei nem quantos metros de altura.
Muito mais exibidos são os jacarés-do-pantanal, que se esparramam pelos barrancos sob as pontes e que, segundo o Márcio, gostam de se aglomerar especialmente na ponte de número 25.
Garças-reais, um lobinho, araras-azuis, um tucano-toco, um cervo-do-pantanal e uma família inteira de capivaras (ohhnnn) foram alguns dos outros animais que avistei pela estrada. Ficou faltando a onça pintada e também a sucuri (que faltou, mas não fez falta, obrigada!). Nem sempre os bichos aparecem tão de pertinho, mas o passeio é divertido de todo jeito. Capricha no zoom!
Na Fazenda São João, que fica a 20 km do Passo do Lontra, o tour continua. No melhor estilo pantaneiro, a cavalgada é a principal atração do local.
O passeio dura cerca de 2 horas por dentro de capões, de áreas inundadas e por entre o gado, que fica só pastando vendo o pessoal passar. Quem foi criado em apartamento, como eu, não precisa ter medo: como bem definiu o Riq, os cavalos vão tão devagarinho que é quase como andar de carrossel.
A minha égua Fafá era especialmente marcha lenta e adorava ficar pra trás, tadinha. Talvez soubesse que eu era blogueira e que precisava enquadrar os colegas de passeio nas fotos.
Meu passeio terminou bem na hora do almoço, que é servido como buffet no restaurante da fazenda. A comida é caseira e saborosa: carne de panela, arroz de carreteiro, salada, legumes. A abóbora estava uma delícia. Alguém sente falta de cozinha de autor nessas horas? Eu não sinto.
Depois de um cafezinho, o redário caiu muito bem.
Após algum descanso, partimos para uma caminhada ecológica, que imagino ser mais bacana de se fazer no Passo do Lontra, que tem uma passarela longa como trilha e uma ponte pênsil.
Na fazenda, o percurso foi quase o mesmo por onde passamos com os cavalos, e não vimos muitos animais além de um jacaré educadíssimo. “Quando a gente chegar mais perto ele vai sair da frente”, o Márcio nos tranqüilizou. “Mas se ele não sair, a gente corre!”, completou, brincando.
E o jacaré, muito elegante, saiu.
Que luxo é o nosso Pantanal.
Dicas práticas
Para curtir Corumbá e o Pantanal Sul pela Estrada Parque, durma no dia da chegada no centro de Corumbá e fique por duas noites em um hotel-fazenda na estrada.
Os hotéis-fazenda mais bacanas da região são a Pousada Santa Clara (bom para jovens), o Passo do Lontra (bom para famílias) e a Xaraés (a com mais cara de “para casal”). São hotéis muito simples, mas bem estruturados para passeios.
Não é preciso ter carro: as pousadas têm esquema de trânsfer.
Os passeios acontecem dentro das propriedades e costumam estar inclusos nas diárias. Caminhadas, cavalgadas, passeios de chalana, safári, pesca de piranha e focagem noturna são o cardápio básico.
A Fazenda São João oferece passeios em esquema de day-use e também tem opção de hospedagem, mas é mais interessante ficar no Passo do Lontra, que pertence ao mesmo complexo.
Evite o verão, que é exageradamente quente e pode ser bastante chuvoso na região. Os meses de inverno são os melhores para a visita, embora em junho o pico da cheia nos rios possa causar alagamento na estrada.
Na mala, não esqueça de levar calças compridas e blusas de manga longa, preferencialmente de cores claras, para se proteger dos mosquitos. Repelente é indispensável. Para os pés, tênis confortáveis. Um segundo par é bem-vindo caso você volte de pés molhados de algum passeio.
Mariana viajou a convite da Fundação de Turismo do Pantanal.
Leia mais:
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- Como escolher seus passeios em Bonito
11 comentários
Que lugar mais lindo! Eu, que adoro natureza, fiquei encantado. Com certeza conhecerei em julho. Já vou me organizar.
Esse blog é o melhor! Tinha que ter um app!
Olá!
Estarei em Bonito em julho deste ano e queria combinar essa viagem com uma ida ao Pantanal, à Estrada Parque. Eu e meu marido não dirigimos. Existe ônibus de Bonito para essa localidade? Não estou conseguindo encontrar informações sobre esse transporte…
Olá, Diana! A viação Cruzeiro do Sul tem uma rota diária entre Bonito e Corumbá, sai às 11h30 e chega às 18h40. O mesmo ônibus pára em Miranda (14h10), que é outra base pantaneira.
https://www.cruzeirodosulms.com.br/
Estive na pousada Santa clara durante o mês de maio, mas não recomendo. A estrutura da pousada em si (quartos, restaurante, piscina) é boa, mas o barco tinha muuuuitos problemas, nem o motor funcionava, não tinha nem coletes salva vida a disposição. Os guias de lá também não eram super instruídos, não pareciam entender muito bem os hábitos dos animais e não tinham nem um rádio para se comunicar caso algum imprevisto ocorresse durante os passeios (celular não pega de jeito nenhum). Além disso, os guias não levavam nem água para eles mesmos tomarem e as vezes pediam para tomar da nossa… A focagem noturna foi feita pela estrada parque, o veículo faz muito barulho, e não é raro passar outros veículos, então vimos poucos animas na focagem. Agora, animais mesmo agente via mais na fazenda já que eles colocavam comida para atrai-los, como as araras (que são lindas e ficam o dia todo na pousada). Claro que o Pantanal é incrível, mas não acho que essa pousada proporciona a melhor experiência, pra mim deixou bastante a desejar, recomendo procurar uma outra opção de estadia.
Olá! Adorei a matéria. Posso afirmar que essa leitura mudou meu conceito sobre o Pantanal, e até me deu vontade de ir lá conhecer! Pretendo fazer essa viagem sozinha (uma pausa numa vida agitada) e me pergunto se três ou quatro dias são suficientes para relaxar, conhecer o local, fazer os passeios e fotografar. O que me dizem? E sobre o tempo em setembro e outubro, é recomendável?
Olá, Elaine! Com três dias inteiros (quatro noites) num hotel do Pantanal você fará, sim, todas as atividades básicas. Quanto mais cedo no segundo semestre você puder ir, melhor, porque estamos na estação seca e as áreas inundadas vão regredindo mês a mês.
Eu e meu marido Fabio já nos hospedamos na fazenda santa clara. Ficamos acampados na beira do rio. Foi demais, apesar de ficar longe da casa central, é onde se pode ter mais contato com bichos. A noite, após o jantar, ficávamos na beira do rio, e víamos muitos bichos, veados, raposas, jacarés, pássaros no amanhecer, foi maravilhoso. Esqueça o luxo por dois dias e divirta-se!!
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Arara-azul-grande essa é a que você viu e essa a ameaçada https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ararinha-azul.
Animais linnnnnndos!
Olá, Mô! A arara-azul também já esteve em perigo de extinção; o projeto de recuperação levou 25 anos. A ararinha-azul infelizmente continua ameaçada. Os exemplares que ainda existem vivem em cativeiro.
Extinta na natureza é a ararinha azul, outra espécie. 😉