Europa de carro: cuidado com furto em posto de gasolina

Batedores de carteira amam turistas

Uma coisa que a gente sempre fala por aqui é para tomar cuidado com bagagem dentro do carro em viagem pela Europa. Nunca se deve deixar bolsas à mostra, e se parar em alguma cidade com todas as malas dentro do carro, deve-se procurar uma garagem fechada. Há quadrilhas especializadas e afiadíssimas.

Pois há um outro tipo de golpe no caminho dos motoristas: o furto em postos de gasolina. A querida Isabel O., que mora perto de Lisboa, teve a sua última viagem parcialmente frustrada por conta de um furto desses, bem no início das férias. O esquema é idêntico ao mais usado por batedores de carteira de rua: enquanto um distrai, o outro faz a limpa.

Mas é melhor deixar a Isabel contar. O acontecido foi desagradável, mas o texto é, como sempre, delicioso.

Sensivelmente há um ano atrás o Riq publicou um texto enviado por mim, e chamou-lhe “Isabel O. pela França”. Novo ano, nova viagem, e já eu tinha título pensado para este – “Isabel O. pela Provença, Córsega e Sardenha”. Pois é, o plano furou, e a minha sugestão não pode ser senão esta – “Manual do viajante amador – o que fazer para (não) ser roubado”.

Tudo começou com um marido com excesso de trabalho na última semana antes do percurso, que partiu para uma viagem de carro, atravessando toda a Espanha, com três horas de sono (e só ele é que conduz = dirige). Para trás, da minha parte, ficavam meses de preparação solitária de uma viagem, na qual não entraram aquelas coisinhas que a gente destina aos homens – fotocópias actualizadas de documentos, números de telefone essenciais para colocar no porta-luvas (aquela caixinha do tablier), seguro de viagem específico (é que fazemos sempre!) …

A primeira noite, perto de Saragoça, não assegurou todo o descanso necessário. No segundo dia, depois de almoço, já na região de Barcelona (desculpe Carmen, mas todas as histórias de roubo que me contam por cá têm a sua terra como protagonista), resolvemos parar numa estação de serviço (gasolina, restaurante, loja). Cartazes a prevenir contra carteiristas e derivados? Nada. Crianças a comer gelados, homens a fumar descansados o seu cigarrinho, e nós no mesmo ritmo – descontracção total. O Mário a dormir de porta aberta, eu a circular… E os caçadores esperando as presas, um movimento em falso. E ele chegou – sugeri ao Mário lavar a cara antes de arrancar, e até agarrei numa garrafinha para lhe molhar amorosamente os olhos. Claro que os maridos imaginam logo o carro todo molhado e lá foi ele ao sítio certo, deixando-me sozinha no carro.

Senti um ruído na porta traseira do condutor, mas o meu olhar foi desviado desse local, porque um indivíduo, com ar perfeitamente banal, estava junto ao meu vidro, para me informar que o pneu traseiro do meu lado tinha algo… Pois tinha, mas já vinha de casa, eu é que não sabia. A tampinha do ar tinha caído e lá fui eu ver. Como sou muito simpática, agradeci ao senhor com um grande sorriso (essa imagem persegue-me até hoje). Já viram tudo não é? Pela tal porta que tinha sido aberta, foi limpinho – lá foram as duas bolsas pessoais que tinham o nosso mundo e mais algumas coisas que não deviam lá estar.

Para abreviar – vinte horas, muitos telefonemas, uma noite passada no carro, grande desespero e lágrimas depois, lá nos pusemos a caminho com um dinheiro contadinho que a Visa faz que de conta que emprestou (100 dólares pela generosidade). Só não passámos fome, porque sou mulher prevenida e, para os primeiros dias, tinha coisinhas frescas e boas. É que nem um cêntimo estava perdido por um bolso das calças.

Segundo fomos informados pela polícia, todos os dias as esquadras ficam entupidas de queixas de assaltos a estrangeiros nessas áreas de serviço.

Posteriormente as amigas disseram – “eu vinha-me logo embora”. Mas aqui entre nós, que planeamos, com todo o carinho e empenho, o melhor hotel possível do nosso orçamento, o horário do ferry mais conveniente, o restaurante que os trips aconselharam, a estrada mais bonita, então era assim: atravessar o osso mais duro de roer – aquela horrível Meseta Ibérica, e vir embora, de “mãos a abanar”? Era voltar a ser assaltada.

Claro que não foi o mesmo… nos primeiros dois/três dias eu estava com uma tristeza daquelas (nem conseguia sorrir de faz de conta nas fotos, o que é mesmo muito mal sinal),depois, a ilegalidade total em que nos encontrávamos, no que toca a documentos pessoais e do automóvel, era muito enervante – e se tivéssemos um encontro com outro automóvel, com a polícia?… O dinheiro vivo e contado também é do pior. Na Europa tudo se resolve com o Multibanco (cartão de débito) e viver sem ele é um bocado esquizofrénico. Vocês que já estiveram na Provença são minhas testemunhas – apetece ou não comprar tudo? Pois nós não podíamos – “e se fizer falta para resolver qualquer problema do automóvel, ou de saúde?”

Restaurante gourmet – onde??? Muito pic-nic, comidinha de mercado…

Também preocupação com a casa… Não quisemos contar nada à família, mas o facto do Mário ter perdido as chaves, e ter na mala cartões de visita, fez-me sonhar com o envio pelo correio das mesmas a alguns amiguinhos portugueses. Pronto, nada aconteceu (e já mudámos fechaduras, foi só mais uma despesa das que nos aguardavam no regresso, para repor os meus celulares, os nossos óculos de ver ao pé, um relógio, maquilhagens, medicamentos, chaves, documentos…).

Por fim – a (grande) cereja em cima do bolo, que era a nossa ida à Córsega e à Sardenha foi-se… Indocumentados como estávamos, não poderíamos andar de ferry.

E o dinheiro para pagar todos os hotéis? Ora aqui está uma coisa positiva no meio disto tudo. Às vezes as pessoas escrevem, perguntando se será seguro reservar com o Booking… Pois foi isso que nos ajudou nesta odisseia. Como o portátil estava guardadinho (e também a máquina de fotos, a viagem a sério ainda não tinha começado, senão também já era também), pude usá-lo para desmarcar todos os hotéis das ilhas, e mudar as datas de regresso. Já os ferries estavam pagos, e só reavi parte do dinheiro da viagem maior – Sardenha/Barcelona, porque fiz, logo no momento da compra pela Net, um seguro de cancelamento. Em relação àquela entre Nice e Bastia (Córsega), foi-nos dito que tínhamos direito ao seguro inerente à viagem, para o qual seria necessário enviar comprovativo de impossibilidade. Enviámos tudo e mais alguma coisa, tudo direitinho e em francês, mas as companhias de seguros são iguais em todo o lado – a inventar desculpas e falta de “certains documents” para enviar uma quantia reduzida (mas a que tínhamos direito, isso é que interessa – até porque fomos cancelar na véspera, em Nice, podendo ir outros clientes).

E então, detectaram tudo o que devíamos ter feito para este percurso não ter resultado num (quase) desastre? Escrevi este texto como um auxiliar/preventivo. Quando andarem pela Europa, mil olhos são necessários. Nada de facilitar…
Está bem que ainda falta quase um ano para sair de novo, e se calhar até mudo de ideias… mas agora só penso em ir empacotada para qualquer lado. Que chato! …

Pronto, também há roubo em pacote, mas não deve ser igual àquela sensação de solidão e fragilidade total por que passámos. E, embora o tivéssemos tentado ultrapassar enquanto casal, sinto que me custou mais – fui eu que planeei (passei horas aqui, como todos já passaram), fui eu que mais sonhei, fui eu que disse “Obrigada” ao ladrão e percebi poucos segundos depois o que tinha acontecido.

Por isso tenho sido um bocadinho lenta a recuperar… depois de um tempinho a contar a toda a gente, fiz praia, li, tentei acalmar-me e relativizar.

Talvez este texto seja hoje mais sereno que há umas semanas… Pelo menos consegui escrevê-lo sem chamar palavrões aos ladrões. (Confesso que desejei que um dia, ao serem perseguidos pela polícia, pudessem ter um acidente e ficassem bem magoadinhos… Que feio!)

Obrigadinho, Isabel!

(Nos próximos dias, publico o relato da viagem provençal fugal da Isabel e do Mário.)

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43 comentários

Eu como morei na Espanha ha alguns anos atras,vi muitos furtos por ali,infelizmente,por tanto toda a atencao e pouco.
Em Sevilha se deve ter cuidado com as Gitanas tambem,muitas vezes chegam te oferecendo algo com um regalo um presente,dando a impressao de ser de graca,e no final,te pede dinheiro por aquilo,nao permita que elas nem se aproximem de vcs.

Em Lisboa um sítio muito clássico é o eléctrico (sobretudo o 28, se não estou em erro, é aquele que anda pelos locais que toda a gente quer ver). Seria o sítio onde aconselharia mais prudência, segundo ouço dizer. Os turistas estarão aí mais relaxados que num metro ou um transporte mais moderninho e há sempre carteiristas.

Acho que certas zonas do Bairro Alto à noite também não serão muito aconselháveis…

Há uns tempos ouvia-se falar mais em car-jacking mas os golpes eram mais dados em carros de alta cilindrada.
Se estiverem vestidos com um ar mais simplezinho passam por imigrantes e não turistas, o que, à partida, dá mais liberdade.

Nossa, Isabel, só agora estou tomando conhecimento do seu infortúnio!

Sempre fico atenta, mas o seu relato vai me fazer ficar ainda mais ligada, e tomar decisões como não responder e me afastar em caso de abordagem por velhinhos ou jovens, homens ou mulheres simpáticos, simpáticos ou não.

Meu marido e eu vamos dar uma escapadela até Sevilha, então vou ficar “ligadaça”(como se diz, em gíria, no Rio) em postos de gasolina, estacionamentos, etc.

Como está Portugal nesse aspecto(furto a turistas)? Ano passado foi tranquilo, mas ficamos atentos. Não custa nada perguntar, né?

Creio que o melhor ainda é em qualquer viagem, deixar o passaporte e a maior parte do dinheiro nas bolsas internas do corpo (no exterior por via das duvidas uso 2! uma com dinheiro e um cartao de credito adicional que se for assaltado e me falarem “passa o dinheiro escondido na bolsa interna” ainda terei a outra com o passaporte e o dinheiro!!). O melhor é usar o cartao de credito que no caso de perda/furto é bloqueado e reposto em até 48hs nas principais cidades. E o roteiro de viagens, telefones , dados pessoais/documentais fica tudo em copias no meu mail, ou seja, posso copia-los acessando meu mail de qualquer lugar.
Pode parecer exagero, mas é bom ter um plano B…para as feria nao serem mais frustradas ainda, após um caso destes…

Longe de ser tanta coisa como vocês, mas na ultima sexta levaram minha máquina fotográfica em Noronha. Só não fiquei mais desesperado porque a maioria das fotos tinha usado máquina alugada (própria para água), então perdi ‘só’ a máquina e dia de fotos.

No final, como ainda tinha 2 dias de passeio por lá, mais esta semana iniciando em Bonito, acabei tendo que aceitar a perda. É melhor isto do que ficar triste o tempo inteiro – mas a máquina tinha menos de 1 ano e era bastante boa 🙁

Pois, um dos problemas destas coisas é a sensação de insegurança que fica em nós. Se, por um lado, é bom estar alerta, por outo é como se perdessemos alguma inocência e num sítio que nos pareça mais duvidoso vem tudo ao de cima… são sensações que só quem foi assaltado sabe – alguém entrou na nossa vida, no nosso espaço. Imagino quem passa por isto com violência!… deve ser do pior mesmo.
Em relação à polícia, que a Cláudia referiu – em El Vendrell até que foram simpáticos, deixando-nos fazer imensos telefonemas, usar a casa de banho o tempo inteiro, etc… mas quanto à investigação é um bocado frustante – não ligaram às câmaras de vídeo da estação, não me pediram características físicas do indivíduo, não tiraram impressões digitais (havia uma mão no vidro muito evidente). Se alguma vez forem apanhados, já muito fizeram que não está registado.
Globalmente agradeço a atenção e as palavras simpáticas.

Obrigada!
eu acho que vou adaptar um pouco meu roteiro… dormi super mal essa noite pensando nessas coisas… como ja aconteceu comigo e levaram inclusive fotos de grande parte dessa viagem, eu realmente nao quero passar por isso de novo!

Puxa, Isabel!!
Muito chato tudo isso. Infelizmente, você não é a primeira nem a última. Faz vinte anos que alugo carro pela Europa e o único roubo que aconteceu foi exatamente em Barcelona. Quebraram o vidro e levaram poucas coisas que estavam dentro, já que as malas por sorte estavam no hotel.
Mas tenho amigos que tiveram todas as malas roubadas em Aix-en-Provence numa rua bem movimentada de lá. O pior foi que a polícia não ajudou em nada e ainda foram super mal tratados.
Eu também procuro deixar em estacionamentos fechados, mas em muitas cidades pequenas elas não existem, então deixo o carro bem bagunçado, com copos plásticos, água, comida, papéis amassados…para assustar mesmo.

Abs.

Riq, é facil achar garagem fechada na riviera francesa e na italiana?? eu acho que talvez nao seja… na toscana entao… pouquíssimo provavel…

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