Por que o Brasil não deveria esperar os EUA para mexer no visto

Rio Amazonas

Toda vez que eu falo sobre esse assunto eu me arrependo, mas vamos lá mais uma vez.

Os Estados Unidos exigem visto de entrada para brasileiros por uma questão econômica. Historicamente somos emissores de imigrantes clandestinos.

O Brasil exige visto de entrada dos americanos por uma questão diplomática. Pedimos visto de quem nos pede.

Dos dois lados também há uma dose de paranóia. A paranóia americana da segurança nacional (e dê-lhe tirar sapato no raio-X) e a paranóia brasileira da insegurança nacional (a gente é pobre mas é orgulhoso).

Na vida real, porém, os orgulhosos brasileiros se acotovelam às portas dos consulados americanos para se submeter à humilhação de pedir o visto.

Enquanto isso, os americanos votam com as pernas — tão logo ficam sabendo que precisam enviar um passaporte pelo correio para um consulado brasileiro (nossos orgulhosos diplomatas não exigem que os americanos se apresentem pessoalmente nem que juntem todos os documentos que os seus colegas americanos exigem de nós), reservam o primeiro vôo disponível para Cancún, Bahamas ou Costa Rica.

Mas como eu ia dizendo, do lado americano a imposição do visto é primariamente uma questão econômica. E por ser uma questão econômica, parece que está próxima de ser revertida.

Devido ao crescimento dos últimos anos, o Brasil deixou de ser visto como um saco sem fundo de imigrantes ilegais e passou a ser encarado pelo que representa no momento: um saco sem fundo de turistas perdulários.

(De fato, somos hoje em dia os turistas mais cobiçados do planeta. O Brasil virou o pesque-pague do turismo mundial. Todo mundo, de Barbados ao Qatar, está vindo pescar aqui.)

A pressão pelo fim do visto para brasileiros começou pelas associações comerciais americanas, que vêem o turismo europeu minguar. Tomou corpo na Flórida, e logo toda a indústria americana do turismo passou a clamar pelo fim do visto.

Semana passada finalmente apareceu o primeiro político a tocar no assunto. Foi Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, que usou a economia como argumento para pedir que o governo americano facilite a entrada de turistas brasileiros, chineses e indianos.

Agorinha há pouco saiu em dois veículos dedicados ao trade turístico, o Panrotas e o Mercado e Eventos, um rumor, provavelmente soprado por alguém ligado ao trade americano, segundo o qual o presidente Obama anunciaria amanhã, na Disney, o encaminhamento do pedido ao Congresso para incluir Brasil, China e Índia no conjunto de países dispensados do visto de entrada.

Mesmo que o discurso e o pedido se concretizem, daí a virar lei o caminho é tortuoso. O ano é eleitoral e o Congresso americano é republicano — um partido pró-negócios, mas também paranóico e racista. Não acho que a medida passe nem fácil, nem rápido. Mas que um dia vai passar, ah, vai. Parece uma questão de tempo.

Pois muito bem. Só toco nesse assunto pela centésima vez — mesmo sabendo que ninguém, nem meus leitores, concordam comigo — porque acho que o momento é oportuno para que essa questão possa ser tratada também no Brasil sob o ponto de vista da economia.

O fato é que, como os próprios americanos demonstram, a exigência de visto é uma importante barreira comercial para o turismo. Um dos motivos para o turismo internacional no Brasil ser pífio é o fato de fecharmos o nosso mercado a dois emissores importantíssimos, os Estados Unidos e o Canadá.

O Chile inventou uma maneira original de exercer a reciprocidade diplomática sem prejudicar sua economia: americanos, canadenses, australianos e todos os cidadãos de países que exigem visto de entrada aos chilenos tiram o visto no aeroporto, ao chegar, pagando a mesma taxa que os chilenos pagam quando tiram o visto desses outros países.

É uma solução brilhante, que a Argentina copiou ano passado. Por que o Brasil não vai atrás? Porque nossos políticos e diplomatas não conseguem ver a dimensão econômica da questão.

Enquanto isso, Luísa está no Canadá — mas os canadenses estão todos em Cuba e em Punta Cana. Se pelo menos eles pudessem saber que entre agosto e dezembro faz sol no Nordeste inteiro e não há nem sombra de furacão!

O México, que passou a exigir visto de brasileiros apenas por seu pau-mandado dos Estados Unidos, sentiu o prejuízo no bolso e no ano passado criou uma autorização eletrônica mequetrefe para brasileiros e russos: na prática, basta se registrar para viajar. O efeito foi imediato. Os brasileiros novamente estão invadindo Cancún. Mas quem disse que o Brasil retribuiu a facilidade? Pfff. Se a gente não faz questão nenhuma de turista americano, que dirá mexicano! Ainda mais agora que a gente é novo-rico. Sai pra lá, seu pobre!

Se o Brasil aproveitasse o momento e se antecipasse à decisão americana — adotando, por exemplo, a solução chilena de cobrança do visto na chegada –, só teria a ganhar.

Primeiro, porque pareceria grande e magnânimo — para todos os efeitos, o desespero de ter a gente lá é deles. Imagine que lindo discurso de dona Dilma franqueando aos americanos nossas três maravilhas da humanidade certificadas por votação mundial. Venham descobrir o Brasil rico e pacificado antes da Copa e das Olimpíadas!

Mas principalmente seria um bom timing. Ao abrir os portos aos americanos (e canadenses e mexicanos e japoneses), o Brasil daria tempo para que eles aprendessem o caminho. Relações comerciais seriam engatadas (sabe quanto tempo leva para estabelecer um charter do Canadá para Fortaleza?), e destinos hoje não acostumados a receber norte-americanos (ou seja, qualquer lugar que não se chame Rio, Foz do Iguaçu ou Manaus) aprenderiam a se estruturar. Não, em hipótese alguma haveria um estouro da boiada: não existe essa demanda reprimida toda. Mas poderíamos ir formando algum mercado antes que os Estados Unidos derrubassem o visto do lado de lá.

Caso a gente espere os americanos tomarem a iniciativa, essa conquista de mercado vai ser ainda mais lenta. Porque o efeito inicial da derrubada do visto para brasileiros deve ser uma bomba de nêutrons para o turismo doméstico, com o Brasil profundo lotando todos vôos possíveis para a Gringolândia, via todos os lugares possíveis (escreve aí: vamos começar a ir pros Estados Unidos de TAP), ao preço que quiserem cobrar.

Bom. Dei o meu pitaco. Só queria expor meu ponto de vista pela última vez. Não tenho a pretensão de convencer ninguém, já desisti disso, por isso não vou bater boca na caixa de comentários não, falou? Mas ofensas serão deletadas.

Obrigado e voltamos à nossa programação normal.

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158 comentários

José Arnaldo, discordo. Tenho 56 anos e sempre viajei muito. Estando a trabalho ou turistando, nunca, em nenhum dos países que visitei, fui mal tratada. É tudo uma questão de educação e respeito. Uma via de mão dupla, entende?

    Concordo yara xavier, mas continua achando que brasileiros são discriminados. Assim, como pode o caminho ser de mão dupla se já somos tratados como se estivéssemos na contramão?

Riq, belo texto e análise. Por isso sou fã do VnV, mas vamos à notícia:

Cai a exigência de visto de turismo para norte-americanos, canadenses e japoneses.

Brasília – O Ministério do Turismo acabou de anunciar que os cidadãos de países da América do Norte e da Ásia não precisam mais requerer visto de entrada no território brasileiro (…)

(…) claro que eles vão gostar de ficar presos nos engarrafamentos monumentais, nas enchentes em épocas de chuvas, dos aeroportos velhos, fedidos, minúsculos, com o pessoal de apoio em terra roubando tudo quanto é mala e dos nossos capacitados e honestos taxistas (…), disseram em coletiva, os ministros do Turismo e de Infraestrutura ao lado do presidente da Infraero e dos governadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais (…).

Gente, na boa, não é só cair a exigência que os “gringos” chegarão. Não dá para comparar a infraestrutura que eles nos recebem e a que vamos recebê-los. Por isso, em conversa com alguns americanos em minhas visitas aos EUA, eles têm pouquíssima noção das nossas maravilhas naturais. Pensam sempre que vão chegar em um país dominado por facções, cheio de doenças transmissíveis, com animais (silvestres e selvagens) andando pelas ruas e as mulheres todas peladas.

É o esteriótipo do Brasil lá fora, para os cidadãos “medianos” destes países. É claro que os empresários e ricos estrangeiros conhecem melhor o Brasil.

Enfim, concordo 200% com o Riq. Porém, muita coisa tem que mudar antes para que não sejamos motivo de mais chacota e acabarem proibindo definitivamente a nossa entrada nestes países por causa da reciprocidade. Afinal, lembram por tudo que passaram (descrito no 2º parágrafo)!!!

Abs e parabéns a todos pelos comentários de alto nível.

Concordo muito com sua idéia de tirar o visto no aeroporto, facilita muito a vida. Lembro que qdo fui pra Turquia o processo era esse. Porém n?o acredito que o visto seja um grande complicador pro americano que quer ir pro Brasil. O que pega mesmo agora é segurança e preços. Tô cansada de ouvir ” Brasileira? Dizem que é um país lindo, mas perigoso n?o?” e aí, eu digo o que? N?o, n?o é, é super tranquilo…. Fica sempre aquela saia justa. Uma coisa engraçada é que todo mundo que conheço que já foi, ou pretende ir pro Brasil é jovem. Acho que isso acontece por causa da segurança, nunca conheci ninguém com mais de 35 programando viagem pro Brasil. Enfim, tudo isso pra dizer que, na minha opini?o, enqto os indicadores socias n?o melhorarem, n?o adianta abolir o visto. N?o esqueçam que americano precisa sempre se sentir seguro, é uma neurose coletiva.

Eu sou da turma que concorda totalmente com seu argumento, Riq. Aliás, toda vez que entro no Chile (só em 2011, foram 5 vezes :mrgreen: ) sempre penso isso mesmo: como é inteligente a reciprocidade diplomática deles e como funciona bem. Aposto que o modelo bem aplicado aqui, para todas nacionalidades, ajudaria bastante nosso turismo.

Brilhante análise Riq. Eu particularmente acho importante a questão da soberania nacional, que os diplomatas tentam preservar por meio da reciprocidade. Mas é inegável o impulso que essa abertura traria ao turismo no país. E a sua análise da saída adotada pelo Chile foi perfeita. Sem dúvidas é uma ótima alternativa, resta saber se os diplomatas aceitariam… abç!

A verdade é que o Brasil não explora nadinha o potencial turistico que tem…e não tô falando só do visto não…

“..imagina na Copa”, será que a Luiza vem? hahaha

Vcs continuam com a síndrome do cachorro vira-lata. Brasileiro aprender a tratar bem o turista? Vcs por acaso já saíram do país e experimentou dizer que é brasileiro, por exemplo na França? O Brasil sempre foi tratado como país de segunda classe pelos americanos, mas agora, por conta da nossa situação econômica, estamos sendo “caçados”. Não concordo em tratar mal o turista, mas tb não acho que devamos colocar tapetes vermelhos para eles!

    José Arnaldo,

    Eu nunca tive problema em dizer que sou brasileiro em canto nenhum do mundo. 75% das vezes a reação foi positiva e 25% neutra. Nunca tive uma experiência negativa por dizer que sou brasileiro. Seja na Inglaterra, França, EUA, Canadá, Alemanha e alguns outros países.

    O máximo de problema que eu tive, foi recentemente no Canadá, tendo que explicar o fiasco da seleção brasileira na Copa América e o porquê de Juninho Pernambucano não estar na seleção. 🙂

tão lúcido e informativo!! faço brado de pé ao seu lado e dos demais que entendem que para receber é preciso dar tb 😉

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