Sergipe: São João, São Pedro e São Francisco
Eu e a minha boca grande. Faz alguns anos que eu recomendo o São João em Sergipe. Meu raciocínio: Aracaju é a única capital do Nordeste com tradição em mega festas juninas — e por isso oferece a quem vem de fora muitíssimo mais facilidade de acesso, hospedagem e deslocamento com relação a Campina Grande, Caruaru ou o interior da Bahia. Além disso, a curta distância de Aracaju a praticamente todos os pontos de interesse no estado também funciona à perfeição nas festas juninas: forrómaníacos podem conferir o São João de cidades próximas na mesma viagem.
Esse raciocínio todo só tinha uma falha: era puramente teórico; eu nunca tinha estado no São João de Sergipe. Pior: nunca tinha ido ao São João de lugar nenhum. Por isso, quando o Carlos Nascimento, trip das antigas e ligado à Secretaria de Cultura de Sergipe e à Emsetur, me mandou um email convidando para comprovar na prática o que eu intuía teoricamente, não pude não aceitar.
E eis que, depois de quase 70 dias fora de casa, eu faço a inusitada rota Curaçao-Brasília-Aracaju e chego tresnoitado ao aeroporto Santa Maria no domingo, dia 26, às três da tarde. De lá, vamos praticamente direto para o Barco do Forró.
Acompanhe o meu épico junino sergipano dali até o dia 30.
Visualizar São João e São Pedro em Sergipe em um mapa maior
BOAS FESTAS
Nordestinos de todos os estados costumam descrever a época de São João como “o Natal do Nordeste”. De fato. Substitua as luzinhas (made in China) por bandeirinhas (made por aqui mesmo) e você tem uma idéia do cenário. No front gastronômico, sai o panettone e entram todas as guloseimas possíveis feitas com milho e macaxeira. Faça regime antes de vir.
Na comparação com a outra grande festa de rua do Brasil — o Carnaval e suas micaretas — a diferença não está só no tipo de música que se ouve. As pessoas se arrumam para ir ao São João. Compram roupa nova e se perfumam. Só se fantasia quem vai dançar quadrilha. Chapéu, só de vaqueiro, pra compor aquele visual agroboy. Forró dos plays!
SOCORRO: FORRÓ SIRI
Na própria noite de domingo fui conferir o Forró Siri, em Nossa Senhora do Socorro, na Grande Aracaju, a meros 15 km da capital (dependendo da rota que você escolhe, nem percebe que saiu da cidade). Ali tive o primeiro contato com um conceito desconhecido de um sulista urbano que nem eu: passado o 24 de junho, que é a celebração oficial de São João (a festa mais importante é na noite da véspera), o segundo turno das festas juninas é dedicado a São Pedro (comemorado dia 29). Isto faz com que festas como o Forró Siri possam se candidatar ao título de “Melhor São Pedro do Brasil” 😀
A megafesta de Socorro acontece ao lado de uma cidade-dormitório (conhecida como Conjunto Siri, por isso o nome) e espelha o que acontece em outras cidades da Grande Aracaju, como Areia Branca (atualmente desativada por problemas com o Ministério Público) e Itaporanga d’Ajuda. A prefeitura banca, junto com patroinadores, a apresentação de grandes nomes do forró eletrônico. O povo não paga nada para assistir. É uma festa pro povão. Mas só ao chegar é que notei como eu, de bermuda e camiseta, estava inadequadamente vestido para a ocasião. Foi quando eu fiz pela primeira vez um comentário que seria recorrente nos dias seguintes: “Eita povo mais arrumado!”.
Se não bastasse ir ao meu primeiro São João nordestino, naquela noite de Socorro ainda perdi uma segunda virgindade: vi Calypso ao vivo! Tome essa, Regina Casé!
CAPELA: FESTA DO MASTRO
Na programação original, iríamos a Capela (a 70 km de Aracaju) somente no dia 29, “o” dia de São Pedro, para participar da Festa do Mastro. Esqueça tudo o que eu disse sobre se arrumar pra festa junina: a Festa do Mastro é diurna e se caracteriza pelo povo se melar uns aos outros de lama. Quando não chove nesse dia, a prefeitura joga água na terra para os foliões fabricarem munição.
Um imprevisto poupou vocês de verem a minha roliça figura enlameada da cabeça aos pés. Foi o seguinte: o (folclórico) prefeito Sukita, de Capela, resolveu antecipar a Festa do Mastro deste ano para o domingo dia 26 — sem o cuidado de avisar o establishment cultural sergipano. Perdida a ocasião, resolveu-se ir numa noite “comum” mesmo.
Entre as cidades interioranas, o São Pedro de Capela parece ter o maior poder de atração. Turmas de jovens alugam casas pela semana inteira (e batizam com nomes hilários), o que confere à cidade um clima meio Olinda no carnaval. Coincidentemente, eu tinha uma razão especial para estar ali: morei na cidade durante seis meses, quarenta e poucos anos atrás! (Meu pai, sergipano, foi ser gerente no Banco do Brasil da cidade.) Da nossa comitiva, eu era o único local 😀
Quando chegamos, o maior nome da música pop sergipana — Calcinha Preta! — estava se apresentando. Mas parece que a atração mais esperada era uma certa Paula Fernandes (que vim a descobrir está famosíssima graças ao Roberto Carlos).
Fui apresentado ao governador Marcelo Déda (na foto, com Sukita) — que começou a me seguir no Twitter no dia seguinte 😀
Bom: eu não sou o Datafolha, mas se o grau do meu óculos estiver certo eu posso dizer que o maior São Pedro do Brasil de Capela é efetivamente maior que o maior São Pedro do Brasil de Nossa Senhora do Socorro…
ESTÂNCIA: BARCO DE FOGO, ESPADAS E BUSCAPÉS
Na noite do dia 28, depois de um passeio de barco pelo estuário do rio Real, Ponta do Saco, Ilha da Sogra e Mangue Seco (sobre o qual vai ter post outro dia), fui ao mais encantador de todos os São Joões (e São Pedros) da maratona. Em Estância (90 km ao sul de Aracaju) encontrei a mistura mais equilibrada entre produção e tradição. Se você for passar o São João em Aracaju, não deixe de dar um pulinho até aqui uma noite.
A diferença do São João de Estância é, literalmente, a pirotecnia. Exibições de espadas de fogo (mas não guerras de espadas, como na baiana Cruz das Almas) fazem parte da programação diária. Há também competições de buscapés. Mas nada é tão fascinante quanto os barcos de fogo, uma invenção local.
Trata-se de um bólido que usa rojões como turbinas para escorregar por um cordão invisível à noite. Um barco movido a fogos de artifício! Pense na poesia que tem nisso 😀
Todas as noites os fogueteiros da cidade exibem quatro barcos de fogo ao público. É como um desfile-relâmpago de mini-carros alegóricos a jato! Totalmente hiper-mega-über-blaster espetacular.
Depois se apresentam os manipuladores de espadas de fogo. O público mantém a distância para não se queimar.
As apresentações são feitas ao lado do arraial montado na praça principal da cidade. Ali o movimento também é grande: quadrilhas e grupos folclóricos se revezam todas as noites.
O forródromo fica na saída da cidade. E além do tradicional palco para os mega-shows, tem uma arena onde acontecem as competições de fogos de artifício.
Tem campeonato de espadas, de buscapé — e o mais aguardado: o campeonato de barcos de fogo. Taí um que eu não perderia por nada…
ARACAJU: ARRAIÁ DO POVO E FORRÓ CAJU
Já passava da meia-noite do dia 28 quando finalmente eu cheguei ao São João/São Pedro de Aracaju. Primeiro demos uma passadinha no Arraiá do Povo, um simpaticíssimo espaço montado na Orla de Atalaia que reproduz uma praça de cidade do interior.
No palco se apresentam todas as noites trios de forró tradicional pé-de-serra e quadrilhas. Foi pensado para turistas e para famílias: está perto dos hotéis, têm ênfase nas tradições juninas e espaço para dançar. Diversão garantida, sem perrengue.
Mas não deu pra ficar muito. Já estávamos em cima da hora pra pegar a apresentação de Elba Ramalho no Forró Caju.
Armado no centro da cidade, ao lado do Mercado Municipal, o Forró Caju é um complexo com arraial (onde se apresentam os pé-de-serra), dois palcos (para megabandas), bares (que funcionam como camarotes particulares, alugando mesas) e camarotes (governamentais e dos patrocinadores). O acesso é civilizado — e gratuito, como em todos os outros forródromos do estado.
A madrugada de 28 para 29 no Forró Caju é cativa para o show de Elba Ramalho. Pro meu gosto, minha programação musical junina não poderia acabar melhor 😀
Para quem, como eu, não curte forró eletrônico, a combinação Arraiá do Povo + Forró Caju cai do céu: você curte o pé-de-serra com brisa na praia como default e programa idas ao Forró Caju quando se apresentarem Dominguinhos, Alceu, Zé Ramalho, Elba…
CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO: PRA LÁ DE BROGODÓ
Terminei minha maratona junina em Sergipe no lugar em que você deveria terminar seu tour serigipano: em Canindé de São Francisco, porta de acesso ao cânion do Xingó e cenário da novela “Cordel Encantado”, onde atende pelo nome de Brogodó.
A última noite extrapolou todos limites de fofura. A turma da Silvia Oliviera, a superbatalhadora secretária de turismo da cidade, me levou para participar da festa do distrito de Curituba. Várias localidades de Canindé participam de um concurso de festas juninas: cada uma tem a sua noite.
Curituba escolheu o tema “Pra lá de Brogodó”. A garotada se vestiu de personagens na novela — todos com crachá da Globo para a devida identificação 😀
As quituteiras locais levaram comidinhas para a praça.
No palco, em vez das bandas de fora das prefeituras ricas, o forró (excelente) de Sávio, um jovem sanfoneiro revelado na região.
Minha presença foi anunciada ao microfone (“o jornalista Ricardo Freire, do jornal Estadão!”) e chamaram um repentista para fazer um repente em minha homenagem.
Fui apresentado a dona Alzira Marques, a rainha do xaxado (quando garota, ela dançou com Lampião!) e convidado para a ceia nordestina na casa da mais famosa quituteira.
Pode isso?
Balanço final: tiraram o meu couro nesses quatro dias pra cima e pra baixo, mas valeu muito a pena. Além de confirmar a minha intuição sobre o São João sergipano, tive minhas expectativas superadas em inúmeros momentos. E voltei com mais carinho pela terra da ala paterna da minha família.
E quer saber? Eita povo mais arrumado!
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38 comentários
Que saudade de Aracaju, cidade que morei 22 anos!!! As festas juninas de Sergipe são imbatíveis!!!
que texto! que cultura! que comidas boas!
adorei como sempre!
e já resolvi qdo for conhecer o São João não vou pensar duas vezes…