O turista nunca-chega 1

O turista nunca-chega

Acabei de chegar em Paris. Quero ir pra Bruges!

Dentre as 365 receitas clássicas de bacalhau que os portugueses dizem ter inventado, a que tem o nome mais divertido é a do “bacalhau nunca-chega”. Reza a lenda que o rei Carlos I, ao ser apresentado ao prato (que leva batata palha, presunto, ovo e cebola, e pode ser saboreado nos restaurantes Antiquarius e A Bela Sintra), teria gostado tanto, que não parava de repetir.

O nome desse bacalhau (por sinal, campeão de vendas no Antiquarius) me inspira a falar sobre um disfunção que costuma acometer os turistas de nosso tempo. Eu chamo esse problema de o nunca-cheguismo.

O nunca-cheguismo se caracteriza pela incapacidade do viajante decretar que já chegou aonde queria.

Nananina: o turista nunca-chega jamais se dá por satisfeito ao pisar no lugar (país, cidade, praia – você decide) onde chegou. Imediatamente depois de cruzar a linha de chegada, ele já está pensando: e agora, aonde posso ir?

Porque, veja bem – é tudo tão perto, entende? Pra que esperar pela próxima se eu posso ir agora? Já que eu vim até aqui, por que não ir até ali? Fulaninho falou; deu no jornal; ei! mas conheço esse nome, preciso dar um pulinho.

Parc Güell, Barcelona

O nunca-cheguismo é parente da anorexia e da vigorexia (a malhação obsessiva dos hiperbombados). Não adianta você dizer para a pessoa que se ela vai passar três dias em Barcelona é bobagem pegar um avião e farofar em Ibiza (e que se ela varar a noite em Ibiza, vai perder outro dia em Barcelona). Que não dá para fazer todas as cidades medievais dos arredores de Madri em um dia. Que ver ou não ver de perto a sacada da Julieta em Verona não muda a vida de ninguém.

O turista nunca-chega não ouve nada disso. Ele tem certeza de que o maratonista curte tanto a paisagem quanto o andarilho. E que todos aqueles aconselham a curtir o lugar aonde chegaram antes de partir para o próximo são uns despeitados que têm inveja de seu fôlego atlético-turístico.

thumb-hamburgo

Corta!

A importância da decupagem: como avaliar o seu roteiro de viagem cena a cena, como nos comerciais

Mas eu não deveria reclamar.

Devo aos nunca-chegam a tranqüilidade e a preservação da praia mais bonita do Brasil – o Sancho, em Fernando de Noronha.

O turista nunca-chega jamais se submete a descer a escadinha dentro da fenda, mais os cem degraus esculpidos na pedra, que levam até a areia. Eu sei: tem quem não desça por ter claustrofobia, ou por não estar em boa forma física. Mas o nunca-chega não desce porque não tem tempo. Está fazendo o tal “ilha-tour”, um passeio espetacular em que você “conhece” dez praias numa saída só.

No dia seguinte, quem diz que o nunca-chega volta à praia mais bonita da ilha? Que é isso. Ele já foi, não precisa mais ir. Melhor ficar duas horas na fila da porteira para a piscina natural da Atalaia.

Enquanto isso, lá estou eu, no Sancho, com aquele praião maravilhoso só para mim – e para os outros gatos-pingados que, como eu, decidiram que já tinham chegado.

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pap-abre

 

45 comentários

Medo de ter me reconhecido como “nunca-chega” em algumas viagens, principalemte as que fiz sozinha, em que sentar e curtir sozinha parace estranho, então é melhor caminhar-caminha-caminhar como uma nunca chega… Bela reflaxão!!

Noronha é realmente maravilhoso. O ideal, para mim, é uma semana. Lembro que da última vez que fui, no último dia, acordei cedinho e fui para o Sancho. Fiquei lá sózinho por umas duas horas curtindo a praia e mergulhando, até que começaram a chegar outras pessoas.

Entendo que essa “necessidade” de conhecer cada vez mais lugares foi criada pelo excesso de informações que temos, em especial através da Internet (sites como TripAdvisor e outros), revistas especializadas, livros, guias, etc.
Nosso apetite de “viajeros” aumenta sempre quando vemos um post bacana, como o Riq faz muito bem, sobre algum lugar especial. É inevitável colocar mais um local na lista de “desejáveis”.
Após ter feito uma série de viagens por esse mundão afora, e os cabelos que restam ficarem cada vez mais grisalhos, começou a me cair a ficha, que o que vale mesmo é curtir os lugares, bem escolhidos, e não apenas acrescentar pontos em um mapa do “eu já fui”.

Acho que o nunca-cheguismo tem a ver com o medo de não ter oportunidade de viajar de novo. Mas desse mal felizmente não sofro não. Adoro ficar mais tempo que o necessário nos lugares, dormir até tarde “em euro, em dólar ou em real” e voltar nas cidades que já conheço. Aliás, voltar nas cidades já visitadas é uma das melhores formas de conhecer coisas novas otimizando o tempo. Você já sabe o que quer ver, já sabe onde se hospedar e como se locomover. É muito bom!

Eu e meu marido estamos começando a planejar nossa viagem de setembro para lugar ainda indefinido na Europa. Comecei a ler estes posts do Ricardo e já estou me divertindo horrores, mesmo sem nem saber para onde vamos. Essa do turista nunca chega é o mal do século, impressionante como a mania do “você não foi lá, não comeu aquilo, não comprou não sei o quê, virou um cobrança mesmo… que coisa!!!!

Eu já chamo este blog de Blog do Guru..e meu marido já se refere ao Riq como ‘meu amigo’ kkk
Ele diz: pergunta aí pro seu guru (qdo tem alguma dúvida)!
Ah! E qto aos lugares que as pessoas perguntam se eu fui, sempre minto dizendo que sim.

Eu gostaria de dizer que adoro esse Viaje na Viagem, passo horas lendo os relatos , as respostas do Ricardo…Mas esse post aqui foi simplesmente incrivel.
“Por favor não peça meu aval para essa maluquice.” Eu quase morri de rir!
Me perdoem, sei que nem todo mundo tem noção dos deslocamentos na Europa, tempo perdido, etc…mas tem respostas do Ricardo que me divertem.

As pessoas acabam confundindo “otimizar tempo” com “correr pra fazer”. Claro que tudo depende da vontade de cada um, sempre.

A minha primeira viagem pra Europa será bem o que a Carol falou: vou fazer vários países em 20 dias, e depois posso escolher pra onde quero ir ficar mais tempo numa próxima. A primeira vez que fui pra Buzios, eu passei o dia só, quando desci de um navio. Gostei tanto que voltei pra ficar um feriado por lá.

Eu funciono assim mesmo, mas tem gente que não. Claro que se você vai sozinho, é casado, tem filhos, é ativo, é sedentário e afins, tudo muda mesmo…

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