Minha talentosíssima -- e queridíssima -- amiga Tetê Pacheco passou um carnaval em Veneza, no último ano do século passado. Viajou para fazer uma pauta para a revista Capricho, editada pela Monica Figueiredo. A matéria era luxuosíssima -- incluía um ensaio de moda grande fotógrafo Miro. Me lembrei disso e pedi um novo texto para a Tetê, que ficou hilário. Obrigado, Tetê!
(Publicado originalmente no Viaje na Viagem em 2010)
O carnaval de Veneza é muito doido. Não fossem as toneladas de turistas fantasiados de turistas para dar o toque contemporâneo, você teria certeza de estar no meio de uma sessão de regressão. Trata-se de um manicômio ambientado na pré-Renascença. Mas essa, é claro, é apenas a primeira impressão. Quando você embarca no vaporetto (o barquinho, não o aspirador) que liga o continente a essa ilha da fantasia, você percebe que não se trata de um manicômio, mas muitos.
E os malucos acabaram de ser todos liberados.
Não há alternativa careta para o carnaval de Veneza. Ou você embarca nessa onda, ou volte para casa e corra atrás do seu trio elétrico. O primeiro passo, caso você escolha a primeira alternativa, é não transgredir a lei local do anonimato. Descole imediatamente sua máscara e fantasia. Você só é respeitado se for mais um e não for de ninguém. Dar as caras é uma ofensa.
Veneza vive da fantasia de se fantasiar no carnaval. Você quase não vê mercadinhos, lavanderias. Farmácias, coisas práticas da vida moderna. Em compensação, tropeça em lojas que alugam roupas e jóias de época e ateliês de máscaras (feitas uma a uma e pintadas a mão).
Se você for um viajante desavisado e esqueceu resevar sua fantasia com boa antecedência, pode tirar o cavalinho da chuva (sim: chove, neva, faz frio, tudo junto).
Não vai sobrar nada. Aquela mesma turma de turistas fantasiados de turistas que chegou com você no aeroporto nessa altura já desfila por Veneza fantasiada de vênetos autênticos. Com vestidos longos, cheios de brocados e outros babados.
E você, com seu jeans, bota e casacão vai ter que se contentar com um passeio de gôndola ( a bagatela de 150 dólares a voltinha), ou visitar a casa de Peggy Guggenheim, a Scuola San Rocco, a magnífica Accademia e seus mestres renascentistas. Ver a maravilha bizantina que é a Catedral de San Marco e pedir perdão por não ser tão católico. Bom também apenas caminhar pelas ruelas tão estreitas que fariam qualquer top model se sentir gorda. Delícia comprar muranos de todos os tipos, cores e formas, lindos. Inesquecível beber um Bellini no Harry’s Bar.
Nada mal para um turista fantasiado de turista no carnaval.
A clássica passadinha pela Ponte dos Suspiros é imprescindível. Lá você pode lamentar à vontade que seus dias de férias estão por acabar e pode jurar para você mesmo voltar mil vezes a esse lugar mágico e louco.
Quem sabe da próxima vez, devidamente anônimo.
25 comentários