Lares Adventure, dia 1: pachamanca na montanha e caminhada a Pisaq Alto
Fui convidado pela Mountain Lodges of Peru para testar seu circuito The Lares Adventure, que vai de Cusco a Machu Picchu ziguezagueando entre o Vale Sagrado (que faz parte do roteiro básico de todo visitante à região) e uma região um pouco acima onde se encontram comunidades mais autênticas.
Durante cinco dias – depois de dois dias de aclimatação à altitude em Cusco (altitude: 3.430 m) – fui levado às maiores atrações do Vale Sagrado (sempre no momento em que havia menos turistas) e também a povoados e paisagens aonde dificilmente conseguiria chegar por conta própria. A cada dia, meu único trabalho era escolher entre os passeios oferecidos: o cardápio de atividades sempre inclui um programa cultural e duas caminhadas opcionais.
Não é barato, mas supervale o que custa: a diária da parte terrestre sai 400 dólares por pessoa, cobrindo acomodação, refeições, deslocamentos (inclusive o trem a Machu Picchu) e ingressos de todas as atrações (inclusive Machu Picchu). É um preço compatível com programas deste gênero, como os dos hotéis bacanas que incluem refeições e passeios no Atacama e na Patagônia chilena.
Se está fora do seu orçamento, não se preocupe: em setembro eu volto para zanzar um mês pelo Peru, dessa vez no peito e na raça, e vou trazer atualizadinhas todas as dicas que você precisa para não passar perrengue numa viagem por conta própria. Até lá, fique com o relato dessa viagem extraordinária, que vou narrar dia a dia (e que, preste atenção, já vai conter várias dicas que viajantes independentes podem aproveitar).
Diário de Lares
Dia 1
A saída estava marcada para as 7h30 da manhã. Normalmente não gosto de começar o dia tão cedo, mas pelo menos o fuso horário está a nosso favor: quando o despertador tocou às 6h, no Brasil (e no relógio do meu organismo) eram 8h.
Awana Kancha
Pouco depois das 8h no horário peruano chegamos à primeira parada: o Awana Kancha (altitude: 3.525 m; aberto todos os dias; entrada grátis), um showroom bolado por uma ONG para servir como introdução didática à produção têxtil artesanal do Peru.
Na entrada, quatro cercadinhos contíguos são habitados por lhamas, alpacas, guanacos e vicunhas – que, junto com as manjadas ovelhas, são os fornecedores oficiais de fibras para os tecidos peruanos.
Depois de ver a diferença entre os bichos (e de poder alimentar lhamas e guanacos com ramos de ervas), você passa pelo quiosque em que são mostradas as diferenças entre os fios e de onde vêm os tingimentos naturais usados pelos produtores tradicionais.
Na terceira etapa você vê artesãs peruanas em ação: as senhoras vêm de diversos povoados e, em sistema de rodízio, passam um mês tecendo à vista dos turistas. No final do percurso, uma lojinha – perdão, lojona – vende a produção dos povoados agrupados pela ONG.
Acordar cedo valeu a pena: chegamos bem antes dos ônibus dos grandes grupos e tivemos o lugar só para nós por meia hora. Mas não entramos na loja: a Lares Adventure faz uma forcinha para que a gente gaste dinheiro diretamente nos pueblos mais remotos que o programa visita (no que fazem muito bem).
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Povoado e mercado de Pisaq
Ainda eram 9 e pouco quando chegamos em Pisaq (altitude: 3.010 m), um dos vilarejos essenciais do Vale Sagrado, endereço de importantes ruínas incas e também do mercado de artesanato mais procurado do pedaço. A van parou na entrada da cidade, ainda longe do mercado, para que a gente pudesse observar a vida cotidiana do pueblo.
No miolinho do centro, visitamos um pequeno jardim botânico particular que possui uma interessante coleção de cactus.
Mais adiante, experimentamos pela primeira vez os deliciosos pãezinhos andinos, de massa leve e meio adocicada, que lembram uma esfiha sem recheio (devemos ter sido os primeiros forasteiros a ser atendidos naquela manhã).
Continuamos até o famoso mercado, que àquela hora ainda estava sonolento e vazio. A diversidade de produtos é grande, mas a mistura de produtos artesanais com industrializados torna arriscada a compra para quem não tem o olho ou o tato treinados. Comprei duas bonequinhas bem rústicas, charmosamente mal-acabadas, para o meu banco de presentes. Cada uma saía 15 soles (15 reais), mas a moça me fez as duas por 28, sem eu pedir. (Se eu tivesse habilidade para a pechincha mais elementar teria levado as duas por 20 ou menos.)
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Viacha: colheita e pachamanca
Embarcamos na van e começamos a subir a serra. Depois de 10 minutos na estrada, o guia nos chamou a atenção: ao longe, dava para ver pelo menos 15 grandes õnibus estacionados junto ao portão principal do sítio inca de Pisaq. Dali a uma hora no máximo estariam todos no mercado.
Passamos batido pelo sítio arqueológico (chegaríamos bem mais tarde, e por outro caminho), saímos do asfalto e continuamos por uma estradinha de terra até a comunidade de Viacha (altitude: 3.941 m). Um ranchinho na entrada do povoado estava preparado para nos receber com uma pachamanca – uma refeição tradicional andina em que carnes e legumes são preparados debaixo da terra, cozidos com o calor de pedras quentes. Fomos recebidos por um grupo de moradores em suas roupas tradicionais (que usam no dia a dia) e por um cooler cheio de Cusqueñas geladas.
Logo em seguida chegou a parte do grupo que tinha optado pela caminhada matinal, trocando a demonstração têxtil e a voltinha consumista no mercado por um trekking desde Amaru, mais alto na montanha. Depois da apresentação de uma canção em quêchua, subimos todos para uma breve cerimônia na zona agrícola do povoado.
As comunidades andinas fora das grandes cidades continuam praticando a agricultura de subsistência de maneira comunitária. O que sobra da produção local é usado para escambo com os excedentes de outras comunidades que cultivam alimentos diferentes.
Como visitamos na época da colheita, a comissão de boas-vindas do pueblo nos apresentou um ritual de agradecimento a Pachamama, a Mãe-Terra, que é feito antes de iniciarem os trabalhos (e envolve, entre otras cositas más, folhas de coca, azeite de ervas e um mantra em quêchua que terimna com um assopro).
Em seguida, conhecemos as ferramentas tradicionais para plantar e colher milhos e batatas e, como número de platéia, um de nós foi convocado a dar o inicio simbólico à colheita de tubérculos naquele ponto do terreno.
Descemos para o ranchinho e a pachamanca já estava desenterrada e servida no buffet. A colheita quente consistia em cinco variedades de batatas e tubérculos aparentados (o melhor deles: uma batata-doce que era um mel; o mais esquisito: um tubérculo aguado que tinha gosto de chuchu, mas era fibroso), milho branco, banana da terra, frango, cordeiro, porco e cuy, o porquinho-da-índia que é a iguaria de estimação dos peruanos. (o gosto lembra o das partes escuras de um galetinho).
Depois de mais uma Cusqueña, tudo o que eu queria era uma hamaca – sim, a velha e boa rede. Mas não, não tinha. O jeito foi tomar uma dose dupla do café bem forte, porque meia hora depois partiríamos a pé para a próxima etapa da jornada.
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Pisaq Alto
A comunidade de Viacha está a uma hora de distância, quase em linha reta, da parte alta da zona arqueológica de Pisaq. Por ser curta, a trilha funciona também como test-drive para que os sedentários do grupo se animem (ou não!) a optar pelas caminhadas dos dias seguintes.
A decisão é feita individualmente todos os dias pela manhã: o grupo tem guias disponiveis para até três passeios simultâneos. No nosso grupo estavam o Johann, que apesar do nome alemão é um cusqueño típico (com algum talento para a comédia stand-up) e é o especialista da equipe em história e cultura andinas; o Andrés, um chileno radicado em Cusco, grande estudioso da relação entre arquitetura e astronomia nas civilizações incas e pré-incas (e que também é dono de um fôlego notável e também está apto a liderar caminhadas) e o Antonio, o simpático guia principal de caminhadas, que morou um tempo no Brasil, fala português e tem como missão demover os preguiçosos de fazer apenas os passeios culturais.
A caminhada de Viacha à zona alta de Pisaq tem um custo x sacrifício excelente: fazendo um pequeno esforço, chega-se a um mirante espetacular para a parte mais nobre da cidadela, construída no topo de um morro. É uma visão parecida – numa escala bem menor, evidentemente – com a que os andarilhos têm no final da trilha inca que leva a Machu Picchu.
De lá descemos mais um pouco para visitar o sítio arqueológico (altitude: 3.530 m) – praticamente vazio de colegas turistas, que a essa hora deviam estar subindo e descendo as escadarias de Ollantaytambo.
Ainda tivemos forças para subir até o topo da parte alta do sítio arqueológico, pouco visitada por quem está com pressa. Lá em cima acredita-se que se organizavam velórios e cerimônias funerárias. O que se sabe ao certo é: a vista é linda 🙂
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Lamay Lodge
Ainda havia um pouquinho de luz natural quando chegamos ao lodge de Lamay (altitude: 2.958 m), que tem três lhamas residentes no quintal.
Uma ducha forte, um jantarzito nativo, porém com toque de chef, e uma cama gostosa era tudo o que a gente precisava para se recuperar de um dia mais do que intenso.
Ricardo Freire viajou a convite da Mountain Lodges of Peru.
Leia mais:
- Lares Adventure, dia 2: ruínas pré-incas e visita à señora María
- Lares Adventure, dia 3: vida rural e bike pelo Vale Sagrado
- Lares Adventure, dia 4: Ollantaytambo ‘vip’ e luxo no trem
- Lares Adventure, dia 5: Machu Picchu (e um balanço final)
- Cusco: uma voltinha roots pelo Mercado Central de San Pedro
- Dicas de Cusco no Viaje na Viagem
- Dicas de Machu Picchu no Viaje na Viagem
Comentários
Riq, conheci seu blog hoje e pirei! Hehehe… Fiquei mt animada com a possibilidade dessa viagem..nunca fui e tb nunca viajei sozinha, estou ensaiando a primeira vez. Muuuuito medo do ar rarefeito, de não saber se esse roteiro é boa pedida pra quem vai solo, e do clima.. Quais os melhores meses e como é a temperatura? Vcs levam mala ou só mochila na viagem toda?
Desculpe as muitAs perguntas, coisas de novata.. 😁☺️
Olá, Viviane! Quem responde é A Bóia. A bagagem é transportada pelas vans. Os melhores meses vão de maio a setembro.
Que delicia poder aproveitar a região assim! Já se vão 10 anos que estive no Peru, num esquema mochilão economia total, e adoraria voltar num esquema mordomias + cultura + paisagens deslumbrantes. Favoritadíssimo!
Obriaga, Riq! Acho muito bom mesmo até pra single! Bem mais barato do que as opções do Atacama e Patagônia.
Bj
Obs: descobri por que meus comentários não entravam. O sistema não aceita endereço de twitter ou instagram na área de “site” e não envia msg de erro. Então a gente fica sem saber se não entrou. Agora não erro mais 😉
Adorei, Riq! 🙂
Estava super curiosa para ler o relato compelto da viagem. Acompanhei tudo pelo instagram e babei nas fotos e passeios. Nunca estive no Peru e ainda não consegui decidir qual roteiro faria quando este dia chegar. Estava achando que este dia seria em setembro, mas agora que você promete trazer mais informação mastigada em setembro, acho melhor adiar 😉
Uma dúvida: o custo de $400/pessoa é para acomodação dupla, certo? Ou seja, $800/apto? Ou existe opção de ocupação single?
Beijos
Oi Lena, é em acomodação dupla, sim. Ocupação single custa 25% extra (ou seja, 500 dólares/noite para o programa de 5 dias e 4 noites). Mas eles podem juntar roommates, se x passageirx pedir 🙂
https://mountainlodgesofperu.squarespace.com/lares-rates/
Quando virão os outros dias?
Olá, Denise! O segundo dia está previsto para ser publicado no domingo.
Só mesmo o Peru p/fazer de vc um atleta de altitude!
Confesso q fiquei cem porcento chocada
ao ver no Insta tu numa bike.
E juro q pensei : é só pose , ele não vai fazer isso!