Turismo LGBT: praia de Ipanema, Rio

Turismo LGBT: tem diferença?

O turismo LGBT – a abreviatura que engloba lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros – é um turismo sexual? Não necessariamente.

OK: um evento como o feriadão da Parada Gay, ou Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, que acontece todo ano no feriado de Corpus Christi, vem acompanhado de uma intensa programação, digamos, social.

Mas existe o equivalente no turismo de viajantes heterossexuais. Por exemplo: as micaretas, ou o carnaval. No verão, os meninos e meninas não vão para Morro de São Paulo, Jericoacoara ou Pipa para fazer retiro espiritual, vão?

Pessoas livres e desempedidas que estejam a fim de namorar sempre vão usar seu tempo livre em viagem para procurar o ambiente mais propício para isso, não importa a sua orientação sexual. Agora, no geral os objetivos de um viajante LGBT são exatamente os mesmos de um turista heterossexual — seja em Bonito, Paris, Machu Picchu ou Marrakech. O que nos traz de volta à pergunta do título do post.

Qual a diferença, afinal?

O que deseja o viajante LGBT

A diferença é que o viajante LGBT quer viajar a lugares onde não vá ser discriminado.

aqui, claro, vale abrir um parênteses para lembrar que discriminação não é uma exclusividade do público LGBT. Viajantes negros e não-brancos em geral, por exemplo, passam freqüentemente por situações humilhantes, em que o racismo é potencializado pelo preconceito social. Viajantes cadeirantes também têm que enfrentar a falta de infra-estrutura em boa parte dos destinos. E mulheres viajando sozinhas são alvo não só de discriminação, como de violência. Mas um assunto por vez: neste post, o tema é LGBT.

Bem. O viajante LGBT quer ir a um hotel, um destino, um restaurante, um passeio em que não se sinta tolhido. Posso ser autêntico? Vou embarcar num tour em que o guia metido a engraçadinho vai fazer uma piada homofóbica atrás da outra? Para os casais homoafetivos, a situação é ainda mais delicada: vamos poder nos assumir como um casal?

Esses fatores pesam cada vez mais na definição das viagens. Imagine que dependendo de onde more, uma viagem pode proporcionar ao turista LGBT a sua primeira oportunidade na vida de poder andar de mãos dadas na rua com a pessoa que ama. Qual é o equivalente disso na vida de um viajante heterossexual? A primeira vez em que viu o mar?

Uma ‘indústria’ tolerante

O receio de não ser acolhido é mais justificado com relação a destinos. Existem países e cidades realmente muito conservadores, como os países muçulmanos linha-dura, e agora a Rússia. Guias metidos a engraçadinhos à parte, o risco do preconceito é bem mais baixo na chamada ‘indústria do turismo’ — agentes de viagem, hotéis, cias. aéreas.

Muito antes da sociedade aceitar os homossexuais nos termos em que aceita hoje, a indústria do turismo já entendia e atendia muito bem o viajante LGBT. Até porque hotéis e cias. aéreas sempre foram tolerantes até na contratação de funcionários. São setores que empregam proporcionalmente mais pessoas LGBT do que a média das empresas, e mesmo sendo minoria na equipe acabam influenciano na cultura corporativa.

Hoje em dia, ao chegar num hotel, o casal homoafetivo pode ficar tranquilo que só vai ouvir a fatídica pergunta “Mas é cama de casal mesmo?” em pousadas muito familiares, ou se derem o azar de pegar um recepcionista muito obtuso. Muitas vezes pode acontecer uma confirmação de praxe, “Cama de casal, correto?”, mas na mesma entonação com que o recepcionista perguntaria “Reserva pra 3 noites, correto?”.

Visibilidade é o caminho

O que não dá para controlar são as reações dos outros hóspedes. Ainda há quem dê uma risadinha de surpresa ao ouvir as duas moças sendo atendidas na sua frente confirmam que a cama é de casal.

Uma dupla de rapazes ainda chama mais atenção do que deveria quando aparece para o café da manhã ou quando pega aquelas duas espreguiçadeiras geminadas à beira da piscina.

Mas as coisas vêm evoluindo rapidamente, e para continuarem evoluindo dependem que o público LGBT (e os casais homoafetivos em particular) aumentem a sua visibilidade.

As grandes redes hoteleiras, os hotéis de luxos e os destinos mais antenados já estão trabalhando na próxima onda, que é de aproveitar os mercados de cerimônia de casamento LGBT, lua de mel LGBT e férias em família para famílias LGBT com filhos.

Preste atenção na próxima vez que você for a um resort nas férias: é bem possível que veja criança com duas mães ou dois pais – exatamente, por sinal, como nas reuniões de pais na escola.

A próxima barreira a ser derrubada é a do turismo de pessoas trans. Por enquanto só um destino tem um programa específico pra esse público, que é Fort Lauderdale, na Flórida.

Existem destinos LGBT?

Turismo LGBT

Por falar nisso, quais são os destinos mais interessantes para o turista LGBT?

Como eu já disse antes, em princípio não tem diferença. Os destinos mais desejados do Brasil e do mundo também são desejados pelos viajantes LGBT. Caso o viajante LGBT queira aproveitar as férias pra também paquerar ou cair na night, vai colocar alguma metrópole no seu roteiro — só isso.

Mas existem alguns destinos especiais, que atraem gays e lésbicas por proporcionar a oportunidade de, por alguns dias, não se sentirem uma minoria. Viajar a um lugar onde o público LGBT seja maioria é uma experiência transformadora para muitas pessoas.

No Brasil

O Brasil não chega a ter nenhum destino eminentemente LGBT. O lugar que tem a maior afluência constante de turistas gays é o Rio de Janeiro, onde os visitantes LGBT são bastante visíveis em Ipanema — mas estão longe de ser maioria.

Em Florianópolis, durante o carnaval, a quantidade de turistas gays iimpressiona. Todo mês de agosto, por uma semana, Fernando de Noronha ganha as cores do arco-iris no festival Love Noronha, direcionado ao público LGBT.

No exterior

Algumas cidades do exterior, porém, têm bairros inteiros habitados por maioria de gays e lésbicas. San Francisco tem o bairro do Castro. Los Angeles tem West Hollywood. Montreal tem Le Village, também conhecida como Gay Village. Madri tem o bairro de Chueca.

Munique tem o lGockenbachviertel. A Cidade do Cabo, na África do Sul, tem o De Waterkant. Tel Aviv, em Israel, não chega a ter nenhum bairro gay, mas é uma cidade incrivelmente tolerante.

E existem também destinos turísticos que, na temporada atraem enorme público LGBT. O melhor exemplo é Provincetown, em Cape Cod, a 45 minutos de barco de Boston: uma colônia de artistas que se transformou num enclave LGBT e tem vida intensa (cultural, inclusive!), entre maio e setembro.

Na Flórida, A Grande Fort Lauderdale, do ladinho de Miami, é a cidade que tem mais investido para atrair o turismo gay; o epicentro lá é a cidadezinha de Wilton Manors.

Na pontinha sul da Flórida, Key West também tem uma grande comunidade gay permanente. Na Europa, Sitges, a meia hora de trem de Barcelona, é um balneário praticamente gay. E ilhas como Ibiza na Espanha e Mykonos na Grécia têm os verões mais quentes da Europa graças à diversidade de visitantes.

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    13 comentários

    Riq, que post bacana! Como diz a frase famosa: love is love, that’s all. <3

    Só pra acrescentar que o Havaí é um destino beeeem gay friendly, pode entrar na sua listinha… Principalmente o turismo de casamento/lua-de-mel LGBT é uma parte da indústria que cresceu bastante nos últimos anos. 🙂 Aloha!

    Oie. Ricardo! Muito legal ver esse tipo de post por aqui também. Fico feliz de ver outros blogs começando a tratar do turismo LGBT. Quando comecei o Viaja Bi! me sentia um pouco ET falando disso rs

    Sobre SC ter a promoção específica, é realmente uma pena. Algumas cidades começaram a fazer esse trabalho, como Porto Alegre, por exemplo, mas o site oficial nem está mais no ar. Normalmente, esse trabalho de promoção de destino para o público LGBT parte da iniciativa privada.

    Recentemente, o Ministério do Turismo e a Embratur assinaram acordo com a Câmara LGBT para promover o Brasil como destino LGBT friendly. O primeiro passo foi dado em uma apresentação na Argentina mês passado. Esperamos que as coisas possam melhorar e ficar mais fáceis para todos os públicos LGBTs, porque a divisão vai além da orientação sexual ou identidade de gênero. Todas as segmentações do turismo são também válidas para esse público (aventura, luxo, mochilão, cultural, festa…). E isso é uma coisa que o mercado ainda parece não ter entendido muito bem.

    =)

    Espero que um dia sequer seja necessário falar desse tema. Parabéns, Comandante!
    Não sou gay, mas eu, meu marido e minha filha, mesmo quando era criança, já viajamos para destinos e hotéis “gay friendly”, como se dizia antigamente, e sempre achamos que o importante é ser feliz e curtir a vida, que por si só é uma linda viagem!! Sendo um lugar seguro, divertido e alto astral, pouco importa se quem frequenta é lgbtt ou não.
    Cheguei a indicar uma pousada pra um casal de amigos idosos que se espantaram um pouco com a frequência de casais homossexuais. Mas adoraram! E o preconceito deles diminuiu depois da viagem. 😉
    Agora, não sei se é porque a idade está avançando, o que tem me preocupado é a falta de acessibilidade para idosos e cadeirantes em alguns destinos turísticos, principalmente no Brasil…
    Abs.

    Tem outro mercado muito bem-sucedido em atrair esse público específico. Cruzeiros. Há empresas especializadas em cruzeiros com foco em sub-segmentos desse público. Justamente porque, mesmo no “Primeiro Mundo”, muita gente ainda quer evitar esses olhares tortos em cruzeiros “comuns”. Querem um cruzeiro onde, em nenhum momento de suas férias, haja alguma discriminação, seja por parte da tripulação, ou de outros passageiros.

    As americanas Atlantis, RSVP e Olivia já organizam esses cruzeiros há tempos, no Caribe, Europa e Ásia. Há alguns anos se firmou também a europeia The Cruise (muita gente ainda chama pelo nome original La Demence Cruise), com um cruzeiro pelo Mediterrâneo que lota todo ano.

    Há ainda os mega-festivais voltados à musica e baladas. O Circuit Barcelona leva dezenas de milhares para a cidade todo mês de agosto há bastante tempo. O brasileiro Hell and Heaven já está na sua décima edição (em Porto de Galinhas esse ano).

    Excelente texto, Riq. Atualmente me parece que essa questão da cama de casal dos hotéis já está bem resolvida, já faz algum tempo que não passamos por nenhum constrangimento nesse sentido.

    Mas essa questão de guias de excursão que podem fazer brincadeiras ou pessoas que não captam logo de cara que estão lidando com um casal LGBT ainda são uma questão delicada.

    E a comparação de poder andar de mãos dadas com seu companheiro na rua com a primeira vez que algum hétero viu o mar: emocionante. Por hábito, eu e Cleber nos acostumamos a não andar de mãos dadas e a reprimir qualquer gesto de carinho em público. Aos poucos, estamos tentando nos “reprogramar” para não esconder mais nosso carinho em público.

    Por isso, quando alguém fala sobre destinos para onde gays podem viajar , desde que não demonstrem amor em público, eu vejo como um grande retrocesso e procuro evitar.

    Abraços e parabéns pela matéria.

    Cada dia mais creio nessa mistura de gente. E acrescentando, acabei de ver em Amsterdã no Red Light, cartazes com as fotos de famílias dizendo que moram ali. É isso, com respeito, sem preconceito.

    Bem legal o post, Riq. Eu já prometi a mim mesmo que não viajarei para países onde a homossexualidade é criminalizada (punível até com morte em vários lugares), o que risca da minha lista países que adoraria conhecer, como Jamaica, Barbados, Namíbia, Egito, Irã… Na Rússia ser gay não é ilegal (ainda), mas a lei de lá é tão injusta que demonstrar afeto em público (tipo andar de mãos dadas) poderia te colocar na cadeia por “propaganda gay”.

    Curiosamente, o único lugar onde nos sentimos desconfortáveis andando de mãos dadas em público foi em… Paris. Muitos olhares feios e alguns comentários.

    Primeiramente gostaria de elogiar por um especialista em turismo como vc lembrar do público LGBTT. Faço uma pequena crítica construtiva. Entendo como turismo LGBTT não o destino em si, mas as experiências proporcionadas pelo destino.
    Recentemente fui a Las Vegas com amigos, não é um destino Gay, pelo contrário, existem poucas opções de bares e boates LGBTT, o forte são as boates de strip-tease heteros, porém é uma cidade que acolhe muito bem o público gay, não senti nem um momento discriminado e o luxo e glamour de Las Vegas atrai esse público. Utilizei sites que divulgam locais LGBTT e grupo de brasileiros morando na cidade para descobrir boates e saunas. Esse tipo de divulgação que acho importante, pois a mídia tradicional não divulga e no final não teria a oportunidade de conhecer esses locais e fazer novas amizades.

      Olá, Sergio! Esse é um nicho de mercado que está aí para ser explorado. Aqui no Viaje na Viagem a gente normalmente não dá dicas específicas de ‘noite’ em destino nenhum, para nenhum tipo de público, porque essas informações caducam muito rápido. É sempre melhor encontrar sites locais.

    Que post, e video, bacanas Riq! Espero que num futuro bem próximo não tenhamos mais nem que usar a palavra “tolerância”!

    Em várias capitais europeias, o número de estabelecimentos (bares, pubs) ou até mesmo prédios residenciais ostensivamente denominados gays ou lésbicos etc. vem diminuindo rapidamente.

    Isso ocorre porque, nessas cidades, a integração da vida social entre heteros e não heteros é maior. Assim, pessoas frequentam os mesmos estabelecimentos, o que chamam de mixed crowd. Para os solteiros de qualquer orientação ninguém precisa mais de bares temáticos pra ser o ponto principal de conhecer gente nova.

    Em Amsterdam, há uns dois meses, fizeram um censo informal de estabelecimentos ostensivamente LGBT e constataram que hoje em 2018 a quantidade é 80% menor do que há 2 décadas. Quem for buscando as “ruas gays” da cidade vai se decepcionar, e a rua tradicionalmente “lésbica” da cidade praticamente não existe mais como tal. E com exceções de nicho mesmo os lugares LGBT são hetero-friendly.

    O processo se repete em várias capitais europeias como Berlin, Stockholm, London. Acho legal lembrar disso porque vejo alguns brasileiros/as se decepcionando ao encontrar a ‘scene’ como se diz bem pequena e até meio pega turista.

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