Rio de Janeiro

Guia do Rio de Janeiro

Valsa de uma cidade

Se algum dia me perguntarem por que eu viajo, eu vou responder: para ver se encontro algum lugar mais encantador que o Rio de Janeiro. Até hoje, não encontrei. Outras cidades podem ser muito superiores em um ou outro aspecto, mas levam nota baixa em tantos quesitos – tipo ala das baianas, empolgação e alegorias de cabeça – que na média acaba dando o Rio, longe.

Se você fizer questão de padrões internacionais de julgamento, tudo bem, lá vai: o Rio é Oscar de cenário, direção de arte, casting, (falta de) figurino, roteiro e trilha sonora original. Em que outro canto do planeta você encontra praia, vida cultural de primeira, gastronomia, compras e um povo exótico (nós mesmos!), tudo num lugar só, e em qualquer época do ano?

Para começar – eu adoro dizer isso, porque consigo injuriar paulistas e cariocas numa mesma frase – o Rio é a melhor coisa de São Paulo.

A própria ponte aérea já é uma grande ideia – uma invenção made in Brazil, imagine só, fruto da aliança entre o capital e a vontade de fugir do trabalho. O embarque é lindo: sempre tem três ou quatro engravatados correndo e atropelando os outros na pista para poder sentar numa janelinha do lado direito. (A dica do lado direito garante as melhores vistas tanto na ida, quanto na volta. Vale a pena: eu sempre sou um dos três ou quatro que correm e atropelam, e não fico nem vermelho de admitir).

O voo inteiro é lindo. Com tempo bom, são pelo menos 30 minutos ininterruptos de litoral sendo traçado ao vivo embaixo do seu nariz: a Ilhabela, a baía de Ilha Grande, a restinga da Marambaia. A aterrissagem é mais linda ainda. O avião mergulha perigosamente em direção a um centrinho manhattóide – mas quando você desce a escada, o bafo, o cheiro da maresia e a visão do Pão de Açúcar no canto esquerdo da tela dissipam quaisquer dúvidas e dão as boas-vindas à Guanabara. Que Hong Kong que nada: não existe pouso como no Santos Dumont.

Depois de ser intensamente disputado por três ou quatro mulheres que aliciam você ao mesmo tempo, usando a mesma frase provocante (“Táxi, senhor? Táxi?”), você entra num cootramo ou coopertáxi e desliza pelo gramado pré-brasiliense do Aterro, o dinheiro velho da praia do Flamengo te olhando de um lado, o Pão de Açúcar ficando cada vez mais próximo do outro, e o conjunto da obra dando a certeza de que o Brasil um dia já teve um projeto estético mais bacana.

Mais um pouco, você atravessa o túnel e chega a Copacabana, o RG extraviado do país, espelho quebrado da nossa alma, um bairro chamado 200 (desisto. Nada vai ser melhor que “purgatório da beleza e do caos”, © Fausto Fawcett, ou “Notre Dame d’Avenue”, © Eduardo Dusek).

Se o Brasil fosse fazer um tratamento ortomolecular e tivesse que arrancar um fio de cabelo como amostra, este fio de cabelo (originalmente pichaim, depois alisado) seria Copacabana. Estamos todos lá: milionários falidos e favelados emergentes, latifundiários e sem-teto, aposentados e boys, classe média alta, classe média baixa, classe média gorda, classe média magra, gente de todos os fatores de proteção solar e de uma profusão incatalogável de sexos dividindo um quarto-e-sala de 6 postos. Copacabana não vive: se expõe. Poder andar descalço e de roupa de banho (meninas, não esqueçam a canga) pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, na hora do rush, revela mais sobre a nossa cultura do que 5 anos de sociologia na PUC.

Adoro, mas muito obrigado. Prefiro assistir a Copacabana de uma distância segura – em Ipanema ou no Leblon. É mais bonito, você pode ir à churrascaria Plataforma invocando a memória de Tom Jobim quando na verdade é pelo ar condicionado depois da praia, e sempre dá para responder “Pela Lagoa”, não importa qual seja a pergunta do taxista. Mais para lá do que isso só se deve ir (e voltar correndo) à praia do Lokau, ao Quinta, à Tia Palmira ou muito excepcionalmente a um show no Metropolitan. Ou seja: pule a Barra. Por enquanto, a Barra não diz respeito a forasteiros como você e eu. Viver na Barra parece ser uma espécie de programa espacial colocado à disposição do contribuinte carioca. A Barra da Tijuca é a Lua de Copacabana.

(A propósito: não acredite que para ir à praia você precisa ir à Barra. É verdade que as praias da Barra são incomparavelmente mais limpas e menos cheias que as da Zona Sul, mas se você quer praias incomparavelmente mais limpas e menos cheias as da Zona Sul, não vá ao Rio. O aspecto natural mais interessante das praias do Rio é a fauna. Não compensa enfrentar as agruras do trânsito apenas por um pouco de contato com o reino mineral.)

O que faz do Rio um lugar fora de série para passar férias é que lá o turista nunca é intruso. O turista apenas está compartilhando das férias da população local. Não é preconceito, não: é que tudo o que é feito ao ar livre no Rio de Janeiro tem aparência, gosto, textura e consistência de férias. Eles provavelmente nem se dão conta, mas fazer jogging na beira da praia às 6 da manhã é como sair um pouquinho de férias todos os dias. Tomar um chopp na saída do trabalho (nem que seja depois de um serão nipônico) é férias. Num domingo ensolarado, a sua cidade pára – mas o Rio de Janeiro entra em férias. É um prazer incomparável poder passar as férias num lugar tão bem equipado para as férias dos seus próprios habitantes.

Mas claro que você não vai perceber nada disso, se passar dia e noite surtado pela síndrome da paranóia adquirida.

Eu sei, é mais forte do que você. Foram anos e anos de briga em rede nacional, às 8 da noite, entre seu Brizola e dona TV Globo, e fica difícil você captar o encanto quando o seu radar só está programado para detectar arrastão. Mas veja bem: se o Rio fosse tão perigoso assim, como pode tanta gente estar na rua o tempo todo, tomando seu chopinho de pé na esquina, andando no calçadão de relógio, indo a Ipanema no domingo? (Domingo é o dia Mundial do Arrastão.) Como se explicam os grupos de velhinhas que vão ao teatro? (Você já viu velhinhas saírem em grupo em São Paulo?) Muito mais perigosas são as cidades que fazem a gente ficar plantado no sofá com 3 controles remotos na mão por total falta do que fazer na rua.

(E agora tem a questão das balas perdidas. Se eu morasse com vista para um foco de brigas de traficantes, eu também dormiria embaixo da cama todas as noites. Agora: daí a achar que eu vou sair da avenida Angélica, tomar a ponte aérea, me hospedar no Marina Palace, pegar um táxi numa hora determinada e para um trajeto tal, de modo que a incidência de sinais verdes e vermelhos,  associada à disposição do taxista em ultrapassar ou não os amarelos, faça com que a gente intercepte uma infeliz de uma bala perdida, é, realmente, muita pretensão. Se eu me considerasse estatisticamente tão importante assim, jogaria na loteria três vezes por semana.)

Você já pensou em riscar Roma do seu caderninho só porque lá eles têm trombadinhas de Vespa, que engancham o guidão na bolsa dos turistas e saem na boa? Miami por acaso chegou a sair das suas cogitações depois que a polícia mandou trocar as placas dos carros alugados devido às gangues que perseguiam (assaltavam e às vezes assassinavam) turistas? Duvido que você tenha esperado o prefeito Giuliani baixar a taxa de criminalidade para só então viajar a Nova York.

O maior crime atualmente em cartaz no Rio de Janeiro é tanta gente esquecer que a cidade mais interessante da galáxia está a menos horas de voo de casa do que as horas de fila no consulado americano.

Mas ir ao Rio não tem nada a ver com civismo – e tudo a ver com prazer. Vá. Vá. Vá. Aproveite a escassez de gringos (eles não sabem o que estão perdendo) e faça todos os programas de turista que você sempre achou bregas. Suba ao Pão de Açúcar e ao Corcovado, assista a um jogo do Flamengo, desfile numa escola de samba – e constate enfim que virar clichê não é para qualquer um. 

Descubra na Revista de Domingo qual é a musa do verão, do alto verão, do inverno, do feriadão ou dos próximos 15 minutos. Aproveite e embarque numa dessas modinhas que pegam no Rio como febre e que duram menos do que gripe.

Tome um chá na Confeitaria Colombo (só em dias de semana), assista a um show no Rival (é mais engraçado que no Canecão, que por sua vez é muito mais legal que o Palace), faça recenseamento de globais no Antiquarius, ande de tênis e meia na pista fechada da Vieira Souto no domingo, coma um sanduíche de pernil com abacaxi no Cervantes, inicie um movimento para incluir o caldinho de feijão do Bracarense na lista da Unesco de patrimônios da humanidade, e, na dúvida, responda sempre “Pela Lagoa” a qualquer pergunta de taxista. 

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    Na volta, fique feliz por não morar lá – assim você pode sentir muito mais vezes a emoção jobiniana de aterrissar na Guanabara.

    (Escrito em 1998, para o livro Viaje na Viagem. Alguns lugares citados já fecharam.)

    250 comentários

    Ricardo querido,
    Venho aqui nesta tarde (gloriosamente de CALOR)para te parabenizar pelo seu Blog.
    Parabens é muitoooooooooo bommm!!!

    Já que tem gente da zona sul falando mal da Barra, me sinto no direito de expor porque JAMAIS trocaria a Barra pela zona sul, mesmo possuindo um apartamento em Ipanema e outro na Zona Norte, ambos que mantenho alugados:

    1) Não se dão dez passos na zona sul sem se avistar uma favela. Sequer na praia se está livre da visão delas (Vidigal, etc.), que tomaram conta geral daquela região;

    2) Onde se vá se esbarra em sujeira, mendigos, pedintes, bêbados, etc.

    3) Muuuuuuuuuuito concreto colado um no outro para pouco verde (reservas tipo Prainha, Chico Mendes, Marapendi, Bosque da Barra, etc. só existe uma na Urca e outra no Jardim Botânico).

    4) Por conseqüência do excesso de concreto e pouco espaçamento entre prédios altos, a ZS é mais quente e menos arejada que a Barra e Recreio;

    5) Contrapostos a prédios novos e com excelente infra-estrutura da Barra e Recreio, abundam prédios velhos, muitos dos quais verdadeiros CACARECOS, que sequer elevador têm na zona sul.

    6) Sobra gente falida a quem restou apenas o imóvel, mas mesmo assim que tenta viver de pose, sendo extremamente recalcada.

    7) Resistência ao moderno e inovador.

    8) Eu GOSTO de carro. Posso? Engraçado: mulheres também parecem gostar deles, pois acabam preferindo mesmo homens babacas em bons carros a caras de valor que vivam a pé. Por sinal, se forem convidadas para sair à noite a pé, de ônibus ou táxi, torcerão o nariz, mas quando querem inventar desculpa para desopilar seu recalque à Barra, daí dizem preferir fazer tudo a pé…

    9) Meu prédio tem vagaSSSS de garagem. Na zona sul pessoas largam seus carros na rua a mercê de mendigos, flanelinhas, trombadinhas, ladrões, barbeiros que os amassam, riscam, etc. por absoluta falta de garagem !!! Infra-estrutura ZERO !

    10) Quando quero ir a algum lugar na Barra, sempre tenho onde parar. Já na Zona Sul, quando me vejo FORÇADO a pisar lá, isso significa muita dor de cabeça, com ruas lotadas, filas duplas, flanelinhas extorsivos, muitas voltas para achar onde parar NA RUA, etc. Ora, eles não dizem que saem a pé? Por que é tão difícil encontrar vagas por lá então?

    11) Engarrafamentos? Nesse aspecto, em que pese a degradação do trânsito da Barra, tenho pesadelos quando penso em: Praça Sibélius, Jardim Botânico, Botafogo (pelo conjunto da obra, mas em especial São Clemente e Voluntários), Lagoa, Nossa Senhora de Copacabana, etc.

    12) Formigueiro humano em rua? Estou fora !

    13) As praias mais limpas e belas do RJ (Barra, Prainha, Reserva, Recreio, etc.) não ficam na Zona Sul. Aliás por lá temos alguns “brejos” fedorentos como as praias Vermelha, do Flamengo, de Botafogo que sempre estão impróprias para o banho.

    14) Gosto de fazer compras em ambiente climatizado, agradável, com estacionamento, etc. Querem comparar shoppings? Ah, nem vou tocar nesse item para não humilhar…

    15) Favela vertical tipo Rajah (atual Solimar) e outras tantas em Botafogo, Copacabana, etc. não existem na Barra. Isso fora a Cruzada São Sebastião !

    16) Botequim pé-sujo (ovo colorido, salame pendurado e peão bebendo cachaça) no térreo de um prédio onde moram pessoas acima: totalmente zona sul !

    17) Supermercadinhos merrecas, espremidos, pequenos e onde falta tudo… A cara da zona sul, contraposta a mega e hipermercados em profusão da Barra.

    18) Comércio + camelô + boteco + moradia, tudo misturado no mesmo lugar sem qualquer resquício de PLANEJAMENTO URBANO… É a cara de muitos lugares “zona sul”. Prefiro viver em um lugar planejado onde cada segmento tem seu setor, como acontece na Barra.

    19) Cinemas. Querem comparar a quantidade e qualidade?

    20) Ciclovias? Eu as tenho em toda a Barra e Recreio…

    21) Academias? Sobram na Barra, onde se vive em maior contato com a natureza e se dá maior importância à saúde.

    22) etc. etc. etc.

    Precisam de mais motivos? Que me desculpem os decadentes, mas a zona Sul não dá nem para começar… Poderiam ter passado sem essa, mas cansa para nós da Barra sempre vermos algum recalcado ZS falando mal, muito embora os ignoremos na maior parte do tempo…

    Belo texto, morei 2 anos no Rio ( tanto na Barra quanto na Zsul-j.botanico). Chegue nessa cidade com todos os preconceitos de quem só a conhecem pelo JN e sai com toda certeza que vivi na cidade mais encantadora e completa do planeta. Praias, lagoas, vida noturna, cutura, alto astral. Sempre morei em cidades praianas e posso afirmar com toda certeza que esse astral só existe no Rio. Praia lotada quarta a tarde ? Posso dizer que é até perigoso ir a praia em algumas capitais do nordeste durante a semana , tamanho o vazio. Mas também costumo dizer que o Rio consegue ser a mais linda e ao mesmo tempo a cidade mais feia do Brasil ao mesmo tempo. Que impressao tem alguem que desembarca no galeao e segue por um mar de favelas e baia de guanabara visualmente poluída. Quanto a briga BARRAxZSUL concordo em parte com o que foi dito. Como morei 1 na barra demorei a entender a zsul e me encantei com o estilo de vida do carioca da zsul. Choppinho no fim da tarde, caminhar na lagoa, andar de bicicleta, inumeros mirantes de tirar o folego. Mas isso demora a se entender. A primeira vista grande parte da zsul aparenta decadencia, predios velhos, cinzas de poluiçao. Boa parte dos predios mais aparentam predios de centro de cidade abandonados de mts capitais brasileiras. Eu não entendia como as pessoas pagavam furtunas para morar perto de favelas ( e perto no RJ significa em frente, quem mora a 2 quadras acha q mora longe da favela). Enquanto a barra é moderna , limpa, mas é um bairro que só se conhece de carro. Sim tem mts coisas legais a se fazer na barra. No frigir dos ovos posso dizer que esses dois Rio´s sao imperdíveis. Poderiam ser 2 cidades a se visitar. Acredito mto no Beltrame e torço mto pelo Rio que não pode ser tratado como mais uma cidade, o Rio é o retrato do país, garanto que 90% do mundo acha hj q o brasil esta todo em meio a um tiroteio. Assim como acontece com Argentina-Buenos aires , espanha-barcelona…. o Q aconteceu hj é o topo de um precesso q começou a 4 anos com as UPP´s a despeito de mta gente esta funcionando sim. Por isso o apoio da população, é importante que se diga isso, há uma expectativa em todas as favelas do Rio pela chegada de uma UPP em sua comunidade , por isso esse apoio. Nos acontumamos a falar mal do governo, mas é preciso falar bem tb qdo se ve algo no caminho certo. Boa sorte ao Rio, boa sorte ao Brasil.

    Riq, O texto é 90% correto!

    Falta mudar ¨ assistir a um jogo do flamengo¨ para assistir um jogo do Vascão!!!!

    Um abraço.

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