Eu já falava antes, e reitero: o melhor programa para um sábado em Montevidéu para depois do jantar é emendar numa noitada de tango e candombe no Baar Fun Fun. (Não sabe o que é candombe? Já já explico.)
Funcionando ininterruptamente há 119 anos, o Baar Fun Fun (diga: Funfum) mudou-se em agosto de 2014 para o seu quarto endereço, na calle Soriano 922 (entre Río Branco e Convención, a uma quadra do hotel Esplendor Montevideo).
A razão desta última mudança são as reformas no Mercado Central da Cidade Velha (não confunda com o Mercado del Puerto, são dois mercados diferentes). Em 2017, quando a reforma terminar, o Fun Fun deve voltar a seu endereço anterior, onde estava desde 1988.
Visitei a nova casa agora no finzinho de maio e -- quer saber? Achei mais confortável que a antiga. O ambiente continua muito parecido: o balcão do bar e todas as tralhas da decoração (quadros, camisetas de times, cartazes) foram cuidadosamente transplantados.
Chegamos perto das 11 da noite e conseguimos a última mesa, ao lado da porta, no salão da entrada, que funciona como um vão para o salão principal. Teria sido melhor recusar e ir até o balcão do bar, no salão principal, onde dá para ficar de pé, com uma visão melhor do palco.
Como já estávamos jantados, pedimos só cerveja e uvita -- o licor de vinho que é a marca registrada do bar. (Pedi a versão uvita con amarga, que é menos doce.)
Quando chegamos já tinha acontecido o primeiro set dos bailarines de tango. O set seguinte era de tango instrumental, com um violonista e um bandeonista que mandaram muito bem (a dupla era exatamente a mesma que se apresentou na minha primeira visita, há cinco anos).
O próximo começou depois das 11 e meia: os músicos voltaram, desta vez acompanhados por um cantor de belo vozeirão (desculpem, não peguei os nomes). Lá pelas tantas o show resvala para o turisticão, com o tradicional recenseamento de turistas (os brasileiros fomos homenageados com uma versão ainda mais bregalda de Como um dia de domingo). CVCzices à parte, o cara cantava pra caramba -- e o acompanhamento do público para "Por una cabeza" foi emocionante.
Um pouco antes de meia-noite e meia começou um set que eu, em princípio, dispensaria totalmente: o segundo set dos bailarines. Da outra vez que eu fui não havia número de dança, e eu já estava na terceira uvita, esperando ansiosamente o momento do candombe. Mas não é que o show foi ótimo? O casal dançou ao som de música de fita (não há lugar no palco para músicos e bailarinos ao mesmo tempo). Mas a performance foi ótima -- e pedi minha quarta uvita da noite.
Ao final do set de dança, começam a chegar, pela porta de entrada, os músicos e os instrumentos do momento que eu mais esperava, o do candombe. (Pelo jeito também não há lugar nos camarins para acomodar a banda e sua tralha.)
Para você que nunca tinha ouvido falar: o candombe é a salsa afro-uruguaia. Assim como os ritmos cubanos, colombianos e brasileiros, o candombe nasceu da mistura do batuque dos escravos com sonoridades européias. O que eu acho irresistível no camdombe é o dedilhado jazzístico dos teclados. É uma música que acho aparentada com a morna de Cabo Verde -- com a vantagem de que as letras em espanhol são mais compreensíveis do que em crioulo cabo-verdiano.
Sei que também dá para ouvir candombe no El Milongón sem precisar ficar acordado até tão tarde, mas tenho receio que no showzão para turistas o ritmo seja folclorizado demais. Ali no Fun Fun a música me soa autêntica; e os que ficam para assistir são uruguaios (no meio do set, a pista de dança estava tomada por casais da velha guarda). Melhor que isso, só se houver um show de Rubén Rada em cartaz na cidade.
O show começou logo depois da uma da manhã. A banda (de novo: desculpe, não peguei o nome) era espetacular. Acabei ganhando um presente inesperado nesta noite: a banda tocou Borracho con flores, um candombe que ouvi na minha primeira viagem a Montevidéu, há longínquos 33 anos (quando o Uruguai e Brasil ainda viviam sob ditaduras), e que nunca saiu da minha cabeça: Qué será Montevideo, tan querido y tan lejano... Borracho! Pero con flores vuelvo...
Antes das duas, pedimos la cuenta: dois couverts artísticos (a 190 pesos, ou 24 reais, cada um), duas cervejas e quatro uvitas, mais 10%, saíram 1.100 pesos (140 reais). Nada mau. Pena que não aceitam cartão (e por isso não dá para receber de volta os 18,5% de IVA).
(Difícil foi pegar táxi àquela hora. Da próxima vez, vou baixar o aplicativo Voyentaxi ou pedir para chamarem pelo telefone.)
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